‘Por que eles estão aqui?’
Panorama geral: Louise (Amy Adams), uma especialista em línguas, é recrutada pelo exército dos EUA para auxiliar na tradução e comunicação com alienígenas (chamados de Heptapods) que chegaram a Terra. A direção é do canadense Denis Villeneuve, um dos diretores mais promissores e respeitados desta década – graças a filmes que se tornaram sucesso de crítica e público como ‘Incêndios’ (indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro), ‘Os Suspeitos’ (indicado a um Oscar) e ‘Sicario’ (indicado a três Oscars). O roteiro foi escrito por Eric Heisserer, mais acostumado a filmes de terror como ‘Premonição 5’ e ‘Quando as Luzes se Apagam’, baseado na história ‘Story of Your Life’, de Ted Chiang.
Sobre o que o filme fala? ‘A Chegada’ é muito mais do que um simples filme de ficção científica. Ao mesmo tempo em que ele aborda uma visão futurista sobre um possível contato com seres de outro planeta, grande parte da essência do filme é falar sobre a humanidade nos dias atuais. A importância da comunicação e do diálogo (não é a toa que a protagonista é especialista em línguas), a união entre as nações, questionamentos sobre o comportamento do ser humano perante crises – estar diante de uma situação não prevista pode levar a população a paranoia, fanatismo, rebeliões e consequentemente, o aumento da violência – e etc.
De modo geral, essa ‘temática’ do filme é extremamente relevante de ser discutida atualmente, até porque pesquisas recentes demonstraram que alguns dos maiores medos das pessoas hoje em dia são o terrorismo ou catástrofes em grande escala feitas pelo homem. Ou seja, os seres humanos estão cada vez mais com medo deles mesmos, e é claro que isso reflete também no cinema. Mas, por ser um filme muito rico em temas, há muito espaço também para questões filosóficas diversas como ‘qual o nosso propósito na Terra?’, sobre a linearidade do tempo, ‘o destino realmente existe?’ e o impacto que perdas pessoais têm em nossas vidas.
Amy Adams tenta explicar que somos ‘humanos’
Roteiro: Com relação à história na qual foi adaptado, o roteiro sofreu algumas alterações com a intenção de adicionar um efeito mais dramático e intimista. Ao contrário do que muitos blockbusters sobre invasão alienígena fazem que é mostrar a cobertura da mídia sobre o assunto e o desespero das multidões, Eric Heisserer criou um drama muito mais focado na protagonista e a forma humana como ela enxerga a situação, diferente dos seus superiores (interpretados por Michael Stuhlbarg e Forrest Whitaker) que com sua visão estratégica racional, pensam apenas em como deter a ameaça. Essa abordagem diferente traz ao filme um charme especial, de maneira muito parecida ao que Lars Von Trier fez no seu filme ‘catástrofe’ ‘Melancolia’.
Eric também foi o responsável pela ideia da linguagem não-linear dos Heptapods, através de símbolos completamente distintos da linguagem humana. Com o auxílio do diretor de arte Patrice Vermette, eles criaram um idioma abstrato e assustador, que acabou se tornando parte crucial para a história. A parceria com o matemático e cientista Ian Donnelly (Jeremy Renner), é outro grande trunfo do roteiro com relação à protagonista, pois sua (ao menos inicial) contraposição de visões de mundo e a forma gradual como ambos vão compreendendo um ao outro e a situação em si auxiliam ao espectador compreender mais o universo psicológico da protagonista. Sem contar que Jeremy funciona também como alívio cômico em alguns momentos, impedindo o filme de ficar muito ‘quadrado’ e se levar a sério demais. Mas a grande ‘sacada’ do filme não está no roteiro, como contarei apenas no final do texto.
A linguagem por símbolos é obscura e assustadora
Atributos técnicos: Dos filmes lançados no Brasil até o momento, provavelmente ‘A Chegada’ é o melhor em termos de produção técnica. Desde a sua concepção visual impressionante, onde Villeneuve e o diretor de fotografia Bradford Young criaram um aspecto nublado que dita praticamente toda a atmosfera do filme, ajudando a incorporar a crueza da paisagem e dos personagens. Não vou revelar muito, mas o design dos ‘heptapods’ os torna ameaçadores, alcançando bem a intenção do diretor que era criar algo como ‘um monstro saído de um pesadelo’. Já a nave dos aliens, apesar de ser chamada de ‘concha’ no filme, remete bastante ao formato de um ovo, que pode (entre várias coisas) significar um novo ‘nascimento’ para a humanidade, talvez. De qualquer forma, é inegável que o filme capta muito bem através do visual essa áurea de ameaça e mistério, que auxiliam a aumentar muito o suspense e deixar o espectador bastante intrigado.
Falando em suspense, mais uma vez a parceria entre Villeneuve e o compositor Johan Johansson rende uma das grandes trilhas sonoras do ano. A maneira como eles empregam a música e os efeitos sonoros especialmente no primeiro ato do filme, produz um efeito assustador sobre o espectador com sua melodia alienadora e paranoica. Adoraria ver mais uma indicação ao Oscar para o compositor (que já soma duas na carreira). Com relação a planos e movimentação de câmera, Villeneuve mais uma vez consegue encontrar com seu diretor de fotografia – embora nos filmes anteriores tivesse trabalhado com o mestre Roger Deakins – maneiras muito interessantes de contar sua história com a câmera. Alguns reaction shots (mostrando a reação do ator antes de revelar algo importante), tomadas aéreas e ângulos ‘God’s Eye’ (ou seja, os olhos de Deus), que são usados por uma série de motivos, mas que nesse filme podem representar o quão pequeno é o ser humano e sua compreensão frente aos mistérios do universo.
Reaction Shot antes de uma grande revelação
Controvérsia: Mesmo com tantos elogios, ‘A Chegada’ não está livre de controvérsias. Por mais que o diretor e os roteiristas tenham se esforçado muito para que a ideologia científica do filme fosse precisa e plausível, a sensação final é de que o filme levanta mais questões do que realmente responde. E apesar de que – em termos de blockbusters – o filme confie bastante no seu público, em alguns momentos ele se rende a narrações explicativas no meio da trama e adote uma postura muito ‘maniqueísta’ em determinados momentos. Não chega a ser surpresa, mas assim como muitos outros filmes, ele coloca os EUA como o lado diplomático do planeta e China e Rússia como sedentos por guerra, com estratégia e inteligência praticamente nula.
Alguns outros detalhes podem incomodar algumas pessoas mais atentas ao roteiro, como na tentativa de dar uma explicação ao espectador sobre a motivação dos heptapods, esse motivo pode soar um tanto vago ou insuficiente para convencer. Há também a questão de aprender um idioma tão complexo e avançado em pouco tempo, além da própria ideia de ‘tempo’, que deveria ser diferente entre as espécies – já que os humanos inventaram o dia, o mês e o ano como conhecemos e seres de outros planetas deveriam ter suas próprias noções de tempo. Mas, como eu mencionei, são detalhes e podem incomodar apenas a aqueles muito mais exigentes…
Paleta de cores acinzentada, deixando a atmosfera do filme ‘nublada’ e incerta
Considerações finais: ‘A Chegada’ é sem dúvidas um dos melhores filmes do ano, embora talvez seja muito precipitado chama-lo de obra-prima ou algo do tipo. É um filme que desperta o desejo de vê-lo mais vezes e quanto mais você reflete, mais ele parece aceitável, o que acaba sendo muito positivo. A direção de Villeneuve é espetacular e juntamente com atuações primorosas do elenco, sobretudo a incrível entrega de Amy Adams ao papel, são peças chave para o estrondoso sucesso que certamente o filme irá alcançar. Lembram quando eu falei da grande sacada do filme? Para Villeneuve, o roteiro funcionava muito bem no papel, mas após as filmagens ele achou o filme ‘repetitivo e com alguns personagens inconsistentes’. Sendo assim, sob a inteligente sugestão do editor Joe Walker, houve uma reestruturação do filme sendo montado de forma não linear, até refletindo alguns temas que o filme discute e assim nasceu essa versão muito mais dinâmica, com uma carga dramática, emocional e de suspense muito maiores. ‘A Chegada’ é Sci-Fi, drama e suspense de primeira qualidade e ainda tem a capacidade de surpreender muito o espectador.
UM MOMENTO APIMENTADO: Toda a sequência do primeiro contato com os Aliens, onde o suspense atinge os níveis mais altos durante todo o filme.