Em seu primeiro longa, a diretora Marília Rocha leva um pouco da experiência de seus três documentários ‘Aboio’, ‘Acácio’ e ‘A Falta Que Me Faz’ por incrementar certa veracidade. Marília aproveitou os ensejos que conspirariam a favor de seu primeiro longa de ficção: a crise em Portugal, as protagonistas que são portuguesas e o fato delas virem morar no Brasil. Eis as oportunidades perfeitas e com estes elementos, conseguiu realizar um bom filme que fala sobre questões de amizade, a tentativa de reconstruir a vida em outro país e adaptação. Por estes atributos, ‘A Cidade Onde Envelheço’ poderia ser substituída por um título que também faria jus ao seu progresso (tanto por parte da diretora, quanto o filme em si) ‘A Cidade Onde Amadureço’.
Por causa de sua direção feminina que é segura e delicada, ‘A Cidade Onde Envelheço’ tem uma aura doce com toques ácidos supostamente propositais para equilibrar a narrativa que não fica na mesmice. Isso não se deve apenas para a direção, mas para o meticuloso e dinâmico roteiro (também assinado por Marília) que consegue interagir com o público já que se trata de uma história simples, mas esmerada. Francisca (a estreante Francisca Manuel) é uma jovem portuguesa que vive no Brasil há um ano. Ela recebe em sua casa sua amiga Teresa (a também estreante Elizabete Francisca Santos), com quem tinha perdido o contato. Entre as duas não há muito em comum: enquanto em Teresa aflora uma vontade enorme de explorar o novo lugar onde pretende morar, Francisca deseja voltar para Portugal.
O filme se compromete a mostrar o modo de vida de cada uma. Enquanto Teresa tem energia de sobra, gosta de fazer amizades, é mais comunicativa, Francisca é serena, curte a solidão e gosta de interagir apenas com pessoas de seu convívio. Isso fica nítido desde o início e no primeiro ato, o filme não alterna, mas também não falta espontaneidade. E é por conta dos diálogos reveladores, da sua simpatia e seu comedido humor, que consegue ser objetivo mesmo que por vezes seus diálogos sejam prolixos.
Mas, apesar disso, o filme não nega que seu tom político está salpicado em algumas cenas, e não deixa de ser notório que a estrutura dele é a narrativa entre a natureza dos assuntos principais que são amizade e adaptação. Contudo, a história toca por seus valores e seu honesto jeito de ser contada. Afinal, se o Brasil para os próprios brasileiros já está difícil, para o estrangeiro, tende a ficar pior ainda. O resultado é um filme sazonado e interessante de ver. Merecidamente levou quatro prêmios no Festival de Brasília em 2016 (longa-metragem, direção, atriz e ator coadjuvante).
Não é fácil recomeçar uma nova vida em outro país, mesmo se tratando do Brasil atual que apesar de sempre acolher bem seus hospedeiros ou futuros residentes, passa por uma crise política e econômica. Mesmo com a demora de quase três anos para ficar totalmente pronto, ‘A Cidade Onde Envelheço’ não foca em crise e talvez passe uma vaga ideia de um Brasil sem esse período de mudança brusca no qual o país se encontra. Possivelmente, pode frustrar aqueles que esperam ver (pelo menos um) dos inúmeros casos de machismo, preconceito com nordestino, xenofobia ou intolerância que o próprio brasileiro faz questão de expor por não aceitar quem é diferente dele.