Mesmo disponível há oito anos no Brasil, a Netflix conquistou sua fama entre os usuários não faz muito tempo. Desde o surgimento de novos conteúdos originais e também grandes sucessos, a plataforma de streaming se tornou até 4,5 vezes maior que o Globo Play, segundo uma pesquisa da consultoria Business Bureau, de 2018. Muito desse valor se deve não só pelo apelo do público, mas também pela dedicação da empresa em colocar diversos conteúdos novos em seu catálogo e dos mais variados países e gêneros.
Não é por acaso que é possível encontrar produtos colombianos, – como a série Sempre Bruxa (2019) – israelenses – como Jornada de Heróis (2018) – e, claro, japoneses. Porém, o assunto entre o público está longe de ser os filmes live action do país. Isso porque as animações (os animes) são o principal sucesso do oriente no Brasil. Isso se deve, principalmente, pelo sucesso gerado por Cavaleiros do Zodíaco (1986 – 1989), Pokémon (1997 -) e Dragon Ball Z (1989 – 1996).
Toda a grandiosidade está longe de ser só pelo ocidente. Como o jornalista Serdar Yegulalp apresenta em seu texto “Brief History of Anime”, a animação serviu como um recomeço da indústria cinematográfica do Japão no começo de 1900, quando se tornou uma das principais forças culturais do país.
História
1900 – 1970
No início, as produções animadas eram marcadas por desenhos em lousa, pinturas no filme e recortes de papel. Com o avanço tecnológico, mas principalmente devido à ascensão do nacionalismo japonês – muito marcada pelo início da Segunda Guerra Mundial -, as produções tomaram diferentes rumos, mais distantes do entretenimento, com um foco em orientação e propaganda governamental.
Com um segmento mais nacionalista, o anime não era consumido fora do Japão. Isso, até 1963, quando houve uma grande exportação para os Estados Unidos, que receberam animes como Astro Boy (1963 – 1966) e Speed Racer (1967 – 1968), ambos adaptados de grandes mangás e ambos readaptados para o público ocidental. Como havia o objetivo de atingir espectadores internacionais, produtores e desenhistas precisaram realizar adaptações, dando características mais próximas da cultura ocidental, melhorando a relação entre público e produto.
Mas, o que ajudou ainda mais no crescimento da produção de animes foi a crescente popularidade da TV, responsável por fazer diversos desenhistas voltarem a trabalhar na televisão. Isso resultou em um período de muita experimentação e até uma expansão de estilo. Assim, durante os anos 70, nasceu o gênero mecha (anime que lida com robôs ou veículos gigantes), um dos mais famosos da época e que é aproveitado até hoje. Dentre os mecha, produções como Patrulha Estelar (1979 – 1984) e G-Force – Defensores do Espaço (1978 – 1980) fizeram também muito sucesso internacional. Mas o anime que começou a diferença foi Guerra das Galaxias (1982 – 1983), que se tornou a primeira série de anime a ser comercializada na América. Resultando um período de criação de grandes estúdios de animação.
1980 – 1990
Em 1984, por exemplo, houve a fundação do estúdio GAINAX, responsável pela criação da clássica série Neon Genesis Evangelion (1995 – 1996). E, no ano seguinte, surgiu o Studio Ghibli, responsável por grandes clássicos. Por sua vez, a época não foi muito boa para os estúdios, principalmente nos cinemas. Entretanto, o lançamento do home video ajudou na popularidade das obras, e não só dentro do Japão.
O movimento do home video chegou a ser tão radical quanto da própria TV, culminando no crescimento de fãs (os otakus), que se juntavam para assistir e compartilhar o entusiasmo. Essa ascensão ajudou no surgimento de outro grande formato, trabalhado até hoje, o OAV (Original Animated Video). Essas, no caso, são produções mais curtas, desenvolvidas diretamente para o vídeo e não para a TV, com conteúdos mais experimentais. O sucesso garantiu o surgimento do hentai, que mirou um público mais nichado entre os adultos. Ainda que a distribuição do home video fora do Japão era grande, existiam poucos canais dedicados para distribuição de anime fora do país. E com o sucesso de trocas de fitas e formação de clubes, começou a aparecer os primeiros licenciadores domésticos, como AnimEigo (1988) e Central Park Media (1990), por exemplo.
O já citado Neon Genesis Evangelion foi uma peça fundamental para uma evolução ainda mais significativa dos animes. O principal fator é que ele estimulou os fãs mais apaixonados, como também rompeu ligação com o público mainstream. Muito se deve pelos temas mais adultos e as críticas sociais tratadas, que serviram como inspiração para outros programas também arriscarem. Foi então que, nos anos 90, surgiram mais duas grandes forças: a internet e o DVD.
Com a possibilidade de acessar ambientes online, áreas de discussão e wikis com informações sobre as séries, tudo se tornou mais acessível. A mesma coisa com o DVD, já que não só o produto era de mais fácil consumo como a qualidade técnica era superior ao VHS. Não só melhorou o consumo, mas também a distribuição, fazendo com que animes como Sailor Moon (1992 – 1993) e os já citados Dragon Ball Z e Pokémon se tornassem sucessos nos Estados Unidos.
2000 – presente
O início dos anos 2000 ficou marcado com uma reviravolta, que mesmo positiva, ameaçou o crescimento do anime.
A primeira causa disso foi a “economia de bolhas” dos anos 90, que prejudicou a indústria por uma exigência maior de orçamento do que produtos experimentais. Com isso, obras baseadas em mangás surgiram, como Naruto (2002 – 2007), One Piece (1999 -) e Bleach (2004 – 2012). Nisso, o foco passou aos OAVs novamente, que eram a grande opção para um retorno financeiro significativo. Porém, as condições de trabalho – já não muito boas – pioraram, principalmente pela alta jornada de horas e o baixo salário.
A segunda causa foi o aumento da pirataria. Apesar da internet e das cópias digitais terem ajudado, também serviram como o declínio, já que facilitava a cópia dos produtos e, consequentemente, a distribuição ilegal. A crise econômica mundial no final da década de 2000 também serviu como um empecilho para muitos estúdios diminuírem o trabalho ou simplesmente fecharem as portas.
Com o tempo, o jogo virou e o anime passou a se desenvolver ainda mais e sobrevive até hoje. Com muita força, aliás. Muito não só pela presença sólida dos fãs, mas também de empresas, como a Netflix, que foca em novas produções e lançamento. Tanto que, no ano passado, em um mês, 46 novos filmes e séries entraram no catálogo, segundo a publicação da Super Interessante. E recentemente, houve o anúncio surpresa sobre a entrada de todos os filmes do Estúdio Ghibli na plataforma.
Com toda esta quantidade, é o momento de conhecer novos produtos e, consequentemente, novas culturas. E devido ao grande sucesso dos animes no Brasil, o Super Cinema Up selecionou seis animações que servem de porta de entrada para um vasto universo diversificado e que ensina, na prática, mais da história da indústria do anime.
Naruto
Com cinco anos de duração (2002 – 2007), Naruto é um dos maiores clássicos dos animes. Apesar de ser muito marcado na internet pelos memes, a história do jovem ninja conquista pela sua jornada de conhecimento e desenvolvimento para, enfim, tornar-se o que sempre sonhou. Adaptado de 72 volumes de mangá, os 220 episódios do anime se tornaram um verdadeiro marco das produções de animação, fazendo muito sucesso entre os fãs brasileiros.
Na história, acompanhamos uma primeira parte de descobrimento de Naruto e seu desenvolvimento como ninja em busca de se tornar o líder supremo de sua tribo, o que resulta em diversos conflitos, relações, combates e reviravoltas. O sucesso foi grande a ponto do anime ganhar uma sequência ainda mais longa. Naruto Shippuden foi exibido com 500 episódios, entre 2007 e 2017. E os dois podem ser assistidos na Netflix.
Ultraman
Sendo um original Netflix, Ultraman é uma restauração do personagem clássico, que marcou a televisão japonesa durante os anos 60. Apesar do original ter sido produzido em live action, a produtora decidiu trazer o personagem de volta com uma roupagem mais moderna, sendo, então, um anime, mas com técnica computadorizada.
A história é baseada no mangá escrito por Eiichi Shimizu – que começou a ser publicado em 2011 – e moderniza técnica, mas também narrativamente. Aqui, quem protagoniza a jornada é Shinjiro Hayata, filho de Shin Hayata, o herói original. Ambientada séculos depois do arco do seriado, o Ultraman – que até então não estava sendo mais exigido – precisa voltar para novos embates. Além da diferença dessa nova versão ser um anime, o personagem não é gigante como no original. No entanto, está longe de diminuir o potencial da produção.
Death Note
Outro grande clássico dos animes, Death Note (2006 – 2007) é uma boa opção para porta de entrada. Muito porque a série trabalha conceitos maduros dentro de uma narrativa na qual um jovem estudante descobre um caderno que mata pessoas ao ter o nome delas escrito nele.
Dentro de 37 episódios, Death Note apresenta uma tensa e complexa perseguição de gato e rato, além de discussões sobre vida, morte e poder. Em seu catálogo, a Netflix oferece outros quatro live action, incluindo o americano, estrelado por Nat Wolff (De Volta Para Casa) e Lakeith Stanfield (Atlanta).
Little Witch Academia
Esse outro original Netflix era, inicialmente, um curta metragem, que serviu como projeto do Anime Mirai Young Animator Training Project, que financia animadores jovens. O criador, Yoh Yoshinari, viu que havia mais potencial e desenvolveu um segundo curta, até que uma série começou a ser desenvolvida e exibida no Japão, e agora distribuída internacionalmente pela Netflix.
O anime acompanha toda a jornada da jovem Akko, que se inscreve em uma academia de bruxas e precisa enfrentar todas as dificuldades e desafios para conseguir seus objetivos. Além das duas temporadas do anime, a Netflix oferece também os dois curtas de Yoshinari.
Fullmetal Alchemist
Também adaptado de mangá, é impossível não encontrar o anime em listas de melhores ou mais populares animes da história. O sucesso se deu muito também pela temática trabalhada com conceitos mais sérios, até pela ambientação trazer muitas semelhanças da época pós-Revolução Industrial Europeia, com um perfil steampunk.
Isso também se deve muito pela história, que traz dois irmãos alquimistas em busca da ressurreição da mãe e toda a consequência da jornada. E, como de costume, a história ganhou uma segunda série, intitulada Fullmetal Alchemist: Brotherhood (2009 – 2010), que adapta diferentes partes do mangá. Em 2017, a história ganhou uma versão live action, que foi lançada pela Netflix.
Akira
Apesar de não ser uma série, Akira (1988) é o suprassumo quando o assunto é anime. Mesmo com mais de 30 anos, a animação – também adaptada de mangá (1982-1990) – consegue trabalhar conceitos tão atuais quanto na época. No caso, o anime desenvolve conceitos de abuso de poder, corrupção e guerra dentro de uma ambientação que se tornou uma referência do gênero cyberpunk, servindo como base para outros cineastas.
A grandiosidade de Akira também é encontrada na sua importância para a popularização do mangá fora do Japão. Ambientada na fictícia Neo Tóquio, os amigos Kaneda e Tetsuo integram uma gangue de motoqueiros que disputa violentas corridas, até que, uma estranha criança com poderes se encontra com Tetsuo, que passa a desenvolver as mesmas misteriosas habilidades.
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