A Pixar, desde seus primeiros longa-metragens animados, soube não só conquistar todas as idades, mas também seus afetos. Assim como na gastronomia temos receitas que guiam a base de um prato bem sucedido, a Pixar traz, em seus filmes, fórmulas que encaminham suas animações para um calculado sucesso, indo além do simples entretenimento para entregar, quase sempre, um esplêndido clímax de emoções e lágrimas. Mais uma vez relacionando a sétima arte com a culinária, têm-se Gusteau, de Ratatouille, afirmando que “boa culinária não é para os fracos de coração. É para as mentes criativas! Corações fortes!”, e já foi provado que a Pixar, para suas animações, tem criatividade e coração de sobra.

Dois Irmãos – Uma Jornada Fantástica é a mais nova animação do estúdio, ambientada em uma realidade onde criaturas místicas – desde elfos e centauros até fadas e dragões – convivem em um reflexo da sociedade humana. Na trama, a magia uma vez existiu, mas foi ofuscada e esquecida devido ao apreço pelas tecnologias, as quais eram mais simples e fáceis de lidar. A partir disso, o espectador acompanha os irmãos elfos Ian e Barley, o primeiro, mais novo, é inteligente, mas tímido e recluso, enquanto o segundo, mais espontâneo e corajoso, é a ovelha negra da família por sua excentricidade. Como disse Ellie para Carl em outro renomado filme da Pixar, “a aventura está lá fora“, e o personagem Barley sabe muito bem disso quando quer, mais do que tudo, viver uma jornada no melhor estilo RPG, e sua chance chega quando, no aniversário do irmão, recebem um presente há tempos guardado do falecido pai: uma última chance de passar um dia inteiro com ele.

A jornada dos irmãos é, assim, traçada a partir de uma perspectiva de que ambos têm vinte e quatro horas para achar uma pedra mágica, a fim de conseguir rever a figura paterna que a vida lhes privou.  A narrativa se contempla da mesma forma que a maioria das obras do estúdio, trazendo um grande amontoado de piadas, desafios e empecilhos, com algumas pitadas de brigas e, por fim, um momento catártico repleto de emoção. Ainda assim, mesmo seguindo uma fórmula de roteiro já estabelecida, Dois Irmãos – Uma Jornada Fantástica traz, junto de seus irmãos de estúdio, um formidável diferencial em seu storytelling deslumbrante: sua construção de mundo, seus personagens e as relações entre eles encantam ao longo do primeiro ato da obra. Mesmo seguindo a estabelecida fórmula Pixar, foi Toninho Rodrigues que disse, uma vez conversando com Violeta, que “o diferente é ótimo”.

A qualidade gráfica continua tão boa quanto as últimas animações do estúdio, com um espetáculo de cores que conquistam por si só, mas que, certamente, não se limita a isso. Mesmo com um trama um tanto intensa – dois irmãos buscando ver o falecido pai pela última vez –, a carga humorística do filme é tremenda, cambaleando entre piadas e situações cômicas das mais clichês e previsíveis até outras originais e hilárias. Enquanto, “para um peixe-palhaço”, Marlinnão tem muita graça”, a história dos dois elfos consegue conquistar, além de outros fatores, por seu humor bastante bem pensado.

Os personagens secundários da obra, dirigida por Dan Scanlon, também conseguem conquistar muito bem o interesse do público. Laurel, a mãe dos dois rapazes, demonstra desde o começo seu amor incondicional pelos filhos, e deixa bem claro que iria “ao infinito e além” para protegê-los – e não é que o faz? Entre outros, temos visões bastante paródicas de figuras pontuais da sociedade, como o centauro policial que não mais corre, só se locomovendo no conforto de seu carro; uma manticora (criatura com corpo de leão, cauda de escorpião e grandes asas) que optou pela pacata vida de cozinheira; e fadas motoqueiras que não mais lembram como voar. Traz, assim, a mensagem de que a magia e o potencial de cada um se encontra lá no fundo, e é preciso se esforçar bastante para encontrá-los, assim como é dito para Merida: “só precisamos ser valentes o bastante para vê-los“.

O vínculo de Ian e Barley, entretanto, ainda se mantém como um dos pontos principais da obra.  A relação fraterna dos dois, apresentada como uma bela amizade entre irmãos, guia o desenrolar da trama do início ao fim, gerando não só a clássica mensagem de valorização de amizades, mas também uma brilhante reviravolta capaz de encher seus espectadores de lágrimas. Com uma dupla quase tão icônica quanto Mike e Sully, a frase “somos um time; não há nada mais importante do que a nossa amizade”, dita pelos monstros, se equipara prontamente com a relação vivida, na tela, pelos dois elfos protagonistas.

Não só isso, a animação se esforça em refletir sobre o que as pessoas, mesmo já falecidas, significam umas às outras, representando, de forma significativa, o quão forte e duradoura – quando não eterna – pode ser a dor de um luto. Dois Irmãos – Uma Jornada Fantástica, assim, consegue ser deveras sensível, ao mesmo tempo em é que muito bem humorado. Enquanto os brinquedos de Toy Story vivem sob a perspectiva de que “a vida só vale apena se for amado por uma criança”, a nova animação da Pixar, com suas mensagens e tamanha profundidade, não só será amada por muitas crianças, mas também por públicos das mais diversas idades.

Assim, portanto, a nova animação de Dan Scanlon consegue ser uma eficiente obra que, ao seguir e, ao mesmo tempo, renovar a fórmula Pixar, mistura em seu roteiro humor, emoção, ótimos personagens e uma gama de reflexões para entregar, ao fim, uma cativante jornada com significativa identidade própria. Como disse Mate para Mcqueen, “eu sabia que tinha feito uma boa escolha”, e é assim que o espectador se sentirá no final da obra, sentindo que, certamente, foi uma ótima opção para se conferir nos cinemas.

Do estúdio que trouxe ao público obras-primas como Procurando o Nemo, Wall-E, Divertida Mente e os quatro Toy Story, a expectativa para suas novas animações, naturalmente, se encontrava mais alta do que o voo de qualquer super-herói – mas sem capas, por favor. Ainda assim, a Pixar, como sempre – ou quase, não se esqueça de Carros 2 – consegue acertar em cheio com uma obra tão bela quanto Ratatouille, tão aventuresca quanto UP: Altas Aventuras, tão incrível quanto a família Pêra e com uma amizade tão marcante quanto a dos membros da Monstros S.A.. Memorável, é quase como se Dois Irmãos – Uma Jornada Fantástica proclamasse ao espectador, com sua linguagem criativa e roteiro genial, um belíssimo e sonoro “Lembre de mim”.

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