CREED

A dupla Ryan Coogler e Michael B. Jordan já havia impressionado o mundo cinematográfico em 2013, quando o diretor e o ator, respectivamente, trabalharam juntos no drama ‘Fruitvale Station: A Última Parada’. Com a diferença de idade entre os dois de apenas um ano, o filme de estreia do jovem diretor arrancou elogios da crítica e surpreendeu em Cannes, Sundance e no Independent Spirit Awards, entre outros festivais. Isto credenciou ambos ao seu segundo trabalho juntos, o sétimo filme de uma das franquias mais queridas entre os fãs na história do cinema, a trajetória de Rocky Balboa, criada por Sylvester Stallone na década de 70 e sem dúvidas, o maior trabalho da sua carreira. Após seis filmes onde Rocky foi o protagonista da trama e esgotando de forma brilhante as dificuldades e nuances que um personagem poderia suportar, o próprio Stallone sabia que era hora de passar o legado adiante, e daí surgiu o personagem Adonis Johnson, filho de um dos maiores rivais de Rocky nos primeiros filmes e que acabou se tornando seu melhor amigo posteriormente.

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‘Creed: Nascido para Lutar’ conta a história do jovem Adonis (Michael B. Jordan), filho bastardo do ex-campeão dos pesos pesados de boxe Apollo Creed, que havia nascido após a morte do pai no filme ‘Rocky IV’ (1985). Após passar a infância em um orfanato, o garoto de temperamento forte e brigador passa a ser criado pela esposa de Apollo, em uma vida de luxo e oportunidades, coisas que o dinheiro do falecido pai lhe proporcionou. Entretanto, tendo a mesma veia de lutador de Apollo, Adonis logo sente que o que realmente lhe faz feliz é estar dentro de um ringue e após algumas lutas amadoras, vai atrás de um mentor para melhorar suas habilidades. O escolhido é ninguém menos que a lenda Rocky Balboa (Sylvester Stallone), aposentado e tocando sua vida de forma pacata na Filadélfia, cidade onde é idolatrado.

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De forma inteligente, o roteiro de Ryan Coogler mantém o atrativo básico de uma história que vem do grego “pathos”, ou seja, ciente de que a fórmula que tanto fez sucesso na franquia durante esses anos era de tocar o espectador pela emoção e nostalgia – ao invés de uma trama mais imprevisível ou “realista” – o interesse dos antigos fãs de Rocky por um novo protagonista é mantido graças aos elementos nostálgicos que o roteirista e diretor utiliza para atingir esses pontos remanescentes na memória do espectador, seja um calção, um vídeo do clássico combate entre Rocky vs Creed, um tema da trilha clássica que foi marcante, etc. O roteiro é um ponto positivo do filme porque demonstra um respeito à estrutura clássica de Rocky, que é de um herói improvável e mesmo que o impacto seja menor – até porque há pouquíssimos atores tão ou mais carismáticos do que Stallone, isso é fato – tanto o personagem quanto a atuação de Michael B. Jordan não deixam a qualidade do filme cair.

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Mesmo assim, um ponto que pode impedir algumas pessoas de gostar do filme é a pouca identificação com o protagonista Adonis. Ele tinha um bom emprego, carro, vivia em uma mansão, portanto para alguns não há uma necessidade latente de se tornar um lutador apenas para seguir os passos de um pai que nunca conheceu. E isto de certa forma fica meio contraditório pelo fato de Adonis não querer ser conhecido pelo sobrenome do pai, sendo assim há uma certa incoerência, porque não sabemos o real motivo que o faz querer abrir mão de tudo e lutar a todo custo.
O diretor talvez tente nos explicar isso – de uma forma mais sutil, é verdade – remetendo ao que o próprio Rocky era no primeiro filme, alguém digamos, zero de cabeça, mas cem por cento coração. Adonis tem atitudes contraditórias por ainda estar se descobrindo, não ter certeza de quem é, reflexo provavelmente de uma infância sem referências materna ou paterna. Mas, tanto pela boa interpretação de Michael B. Jordan, quanto pelo seu personagem que pode crescer muito ainda no futuro, podemos ser otimistas quanto aos próximos filmes da franquia.

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Mais uma vez, Stallone está maravilhoso como Rocky. É incrível como ele conhece o personagem tão bem, que realmente parece vivê-lo. Neste filme ele aparece visivelmente desgastado não só pela idade, mas como por todas as perdas e por tudo o que passou, como eu mencionei no início do texto. E o roteiro ainda reserva para a plateia momentos emocionantes, que são a oportunidade perfeita para o ator nos dar mais alguns conselhos do fundo do coração, como já havia feito ao seu filho em ‘Rocky Balboa’ (2006). A pessoa que inventou a frase “meninos não choram” certamente nunca assistiu a franquia Rocky. Premiado recentemente com o Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante por este filme, Sly manifestou toda sua humildade e carisma mais uma vez e foi aplaudido de pé.

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Em aspectos técnicos, a direção de Ryan Coogler é muito segura novamente, reflexo do seu bom trabalho anterior, já mencionado aqui. O filme tem um ritmo envolvente, os personagens secundários (como a namorada Bianca, interpretada por Tessa Thompson e os oponentes) são poucos e embora bastante unilaterais, não chegam a comprometer. Os ângulos, closes e cortes nas cenas de luta são muito bem feitos e detalhados, sendo que há um vídeo circulando pela internet que mostra o momento que Adonis é nocauteado de verdade nas filmagens, pelo oponente Ricky Conlan (Tony Bellew, um lutador profissional, inclusive). Não creio que seja necessário explicar a diferença e relevância de um momento como este quando o espectador já está envolvido com o filme. A trilha sonora consegue ser contemporânea, apesar de se destacar pouco e a fotografia, design de produção e direção de arte são bem competentes similarmente. E o ritmo do filme flui muito bem graças aos editores, que já haviam trabalhado juntos em ‘Fruitvale Station’ também.

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Portanto, os filmes “Rocky” sempre foram feitos para quem gostou dele desde o início. Quem não simpatizou “de cara” com a franquia, provavelmente não irá perceber as qualidades do filme e sentir a nostalgia que a história expressa. Ryan Coogler soube aproveitar a oportunidade, com uma série de trunfos significativos: manteve-se fiel à essência de Rocky, pensou nos fãs antigos trazendo alguns elementos nostálgicos, criou uma nova trama mais contemporânea e que tem fôlego para mais um ou dois rounds e ainda conseguiu diversificar, colocando um personagem negro em destaque em uma franquia que sempre foi “patriota” e “americana” (o que dizer da “Guerra Fria” entre EUA e União Soviética… ops! Rocky e Ivan Drago). Mesmo longe de ser tão inspirador como foi o Rocky original, Creed surge como uma história simples, mas que atinge o espectador no coração e o leva a nocaute pela emoção.

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