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Você sabe o que a bactéria em ‘Guerra dos Mundos’ (2005), a espada em ‘Círculo de Fogo’ (2013) e a volta no tempo do Superman em ‘Superman: O Filme’ (1978) tem em comum? Bem, você pode até achar que são plot twists, mas, não é bem assim. Todos eles são considerados Deus Ex-Machina. Não entendeu? Continue lendo… (Mas só um aviso, o texto contém spoilers de alguns filmes, para melhor exemplificação do uso do recurso)

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Capítulo 1 – O que é

“Deus surgido da máquina”. Expressão criada no teatro grego clássico, já que em muitas das peças, os conflitos humanos eram resolvidos no centro do palco, enquanto os deuses eram içados por uma espécie de grua, observando por alto, e ao final, quando o conflito humano chegava em uma parte sem solução, um deles descia para resolver as “pontas soltas” da história. Como por exemplo, na obra ‘Odisseia’, quando Atena surge nas ultimas linhas e evita o início de uma guerra. Ok, mas o que é realmente Deus Ex-Machina?

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Nada mais é do que um termo referente a uma força externa com a função de resolver um problema impossível, ou seja, uma solução inesperada, surpreendente e improvável realizada por um personagem, artefato, evento ou até uma revelação dentro da história do personagem, tudo introduzido repentinamente.

Por ser um artefato poderoso, o Deus Ex-Machina possui três níveis diferentes. O “Total” é quando um elemento, que supostamente não existia, aparece de repente, sem nunca ter sido mencionado. “Tempo e Localização Ilógicos” é quando o elemento foi apresentado, mas aparece, sem explicação, em outro local. “Cortar e Colar” acontece quando o autor, ou roteirista, volta em algum ponto da história para explicar o aparecimento da solução.

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Alguns chamam Deus Ex-Machina de preguiça, e outros o enxergam como uma boca de sinuca do próprio roteirista. Bem, um pouco dos dois, já que pode ocorrer por falta de tempo em tela, ou em páginas, para introduzir a solução. Ou o roteirista, simplesmente cansado ou com presa de finalizar o seu trabalho, cria uma solução, certas vezes, mágica. E é por isso que não podemos chamar um Deus Ex-Machina de plot twist, mas isso fica para outro capítulo.

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Capítulo 2 – Uso no cinema

Por incrível que pareça, o cinema está cheio de Deus Ex-Machina, mas não se engane achando que é só na mídia audiovisual que ele está presente, tanto que livros, poemas, quadrinhos e teatro, como explicado acima, também o utilizam. No início do texto foram citados alguns exemplos dessas soluções surpresas. No caso de ‘Guerra dos Mundos’, em nenhum momento as bactérias, arma fatal que mata os alienígenas no final, são citadas, e principalmente se elas eram capazes de derrotar os alienígenas, mas foi a solução encontrada para os militares não saírem ganhando. Em ‘Superman: O Filme’, a mesma coisa acontece, mas nesse caso, surge um superpoder novo para Kent, já que em nenhuma fala ou cena, o super-herói insinua sua capacidade de fazer o planeta girar e, consequentemente, voltar o tempo.

Temos outros exemplos em franquias grandes, como ‘Harry Potter’ (2001-2011) e ‘O Senhor dos Anéis’ (2001-2003). No segundo filme da franquia do bruxo, Harry está preso na câmara secreta junto com seu inimigo Voldemort, representado por sua versão mais nova (Tom Riddle) e um basilisco prestes a mata-lo, deixando apenas uma solução para Harry: fugir. Mas é nesse momento que surge Fawkes com um chapéu e dentro dele a espada de Godric Gryffindor, jamais citada anteriormente, criando, assim, uma chance de sobrevivência a Harry. No caso do universo da Terra Média, a solução também vem de um pássaro, de vários, na verdade. Em ‘O Retorno do Rei’ (2003), após Frodo destruir o Um Anel em Mordor, encontra-se, junto com Sam, encurralado pela lava, até que surge Gandalf com as águias, que cá entre nós, só gostam de aparecer em momentos propícios.

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Ganhador de cinco Oscars e dois Globos de Ouro, ‘O Resgate do Soldado Ryan’ (1998) também não escapa dessa. No momento em que Tom Hanks e seu grupo estão prestes a serem atacados por um tanque e soldados nazistas, o exército americano aparece bombardeando tudo e salvando o dia. Em ‘Todo Mundo Quase Morto’ (2004) algo parecido acontece quando Shaun e Liz decidem sair do bar e lutar até a morte, e o exército chega, salvando-os dos zumbis.

Esses são alguns exemplos de Deus Ex-Machina, e apesar de parecerem iguais ao plot twist, são estratégias distintas (sim, dizendo isso mais uma vez para o terceiro e último capítulo não parecer um Deus Ex-Machina).

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Capítulo 3 – Deus Ex-Machina não é plot twist

Agora sim. Como explicado anteriormente, Deus Ex-Machina é uma solução repentina, criada rapidamente para solucionar o problema do personagem, e por que não podemos confundi-lo com plot twist? Conhecido com uma reviravolta na direção do roteiro, o plot twist é algo esperado e construído nos dois outros atos, e revelado no terceiro (explico melhor isso em ‘Os Três Atos e a Jornada do Herói’). Por exemplo, em ‘O Sexto Sentido’ (1999), Shyamalan, diretor e roteirista do longa, dá pequenas pistas sobre a situação de Bruce Willis, para no final fazer a revelação e fazer sentido a tudo apresentado nos minutos anteriores, ou seja, plot twist é aquele evento, ou nesse caso, revelação, que nos faz enxergar todo o cenário e a situação sob um novo ponto de vista, sendo que, todos os elementos para essa mudança, foram apresentados anteriormente, com isso, diferente do Deus Ex-Machina, o plot twist é racional.

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‘Planeta dos Macacos’ (1968), como outro exemplo, apresenta indícios de que o planeta misterioso, governado por macacos que o astronauta George Taylor (Charlton Heston) caiu, era o planeta Terra, até a última cena quando temos a imagem da estátua da Liberdade e a confirmação de todos os indícios apresentados.

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Capítulo Extra – Como evitar

Vimos que Deus Ex-Machina é uma estratégia confortante ao autor, já que facilita seu trabalho, mas deixa sua obra, muitas vezes, fraca e com uma narrativa mal construída. Para evitar, duas técnicas podem ser usadas, a Arma de Tchekhov e o Arenque Vermelho.

O primeiro termo está ligado ao escritor russo Anton Tchekhov, afirmando que “se você tem uma arma pendurada na parede no primeiro ato, então no último ato você deve dispará-la”. Nada mais é que, caso você utilizar um elemento para desfazer a história ou solucionar um problema no último ato, ele deve ser apresentado no primeiro, e sugerir que aquele elemento poderá ganhar certa importância no futuro.

No caso do Arenque Vermelho, são pistas falsas, ou seja, para um bom resultado, o espectador precisa esquecer da existência do elemento, mas o mesmo deve estar presente a todo momento, sem obviedade e estragar a experiência. O nome vem do peixe de mesmo nome, que era utilizado para confundir o olfato de caçadores e cães, devido ao cheiro desagradável do animal. Ele pode ser criado ao incluirmos vários elementos com potencial de mudança na história, mas não são todos que participarão do resultado, ou também, quando utilizamos um elemento de “senso-comum” para deixar dúvidas. Apresentando várias opções, sendo todas plausíveis, o espectador acaba esquecendo os detalhes de cada um, e assim, surpreendendo-se com o final.

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Epílogo

Para um roteiro bem escrito e convidativo ao espectador, é necessário utilizar certos elementos e fugir de outros. Deus Ex-Machina, como vemos, está bem presente nos cinemas, nos livros e nos teatros, e não, necessariamente, estragando a história, mas estragando a lógica e a estrutura, o que deixa ela mais fraca e menos concisa. Criar todo um universo com personagens, situações, conflitos é complicado, então, para que ter tanto trabalho e construir algo desconexo?

Cabe aos novos escritores mudarem esse cenário banal, com história épicas e bem escritas. E para os espectadores, ter esse conhecimento narrativo é bom, para compreender ainda mais uma obra e ter o senso crítico mais aguçado.

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