Dia desses estava vendo um vídeo no Facebook sobre o primeiro transplante de cabeça da história, que irá acontecer em dezembro deste ano. O procedimento será realizado pelo neurocirurgião Sergio Canavero, que planeja este momento há 30 anos. Um paciente russo com uma rara doença terminal foi o escolhido. Ele terá sua cabeça congelada e depois reconectada ao corpo de uma pessoa morta. Quem quiser saber mais, o link do vídeo é esse aqui: https://www.facebook.com/ScienceNaturePage/videos/1033910753407849/
Só para constar, a cirurgia irá custar $11 milhões de dólares e irá durar 36 horas, com centenas de médicos auxiliares. Imaginem a responsabilidade. Mas, estou contando isso porque acabei de sair da sessão de “A Vigilante do Amanhã”, versão live action da animação de 1995 chamada por aqui de “O Fantasma do Futuro”, baseada no mangá homônimo criado em 1989.
É que o conceito do transplante de cérebro num corpo cibernético, como vemos no início do filme, lembra bastante a cirurgia que eu citei no início do texto. É, meus amigos, a tecnologia está cada vez mais avançada e logo estaremos vivendo nesse universo que anteriormente só conhecíamos através dos filmes. A produção de “A Vigilante do Amanhã” já começou controversa com o anuncio de Scarlett Johansson interpretando a protagonista, que na história original tem origem asiática.
Após muitos protestos nas redes sociais, felizmente o estúdio abandou a ideia arriscada de contratar os responsáveis pelos efeitos visuais do filme “O Curioso Caso de Benjamin Button” para deixar Scarlett com aparência mais “oriental”, embora a estrela tenha sido mantida no casting. A própria Motoko, na versão da animação, não tem traços orientais tão marcantes, então…
Pessoalmente, sua escalação não me incomoda, principalmente por se tratar de um blockbuster que depende muito de bilheteria tanto para se pagar, quanto para virar uma possível franquia. Sendo assim, acho compreensível a escolha de um rosto mais conhecido, com o qual o público ao redor do mundo também possa se identificar.
O filme é dirigido pelo novato Rupert Sanders, do criticado “Branca de Neve e o Caçador”, e conta a história de Major (Scarlett), uma sobrevivente de um grave acidente que foi transformada em uma nova espécie de soldado ciborgue, criado para combater o crime no ano de 2029. O título original “Ghost in the Shell” é uma referência a ‘pessimista’ obra “Fantasma na Máquina”, de Arthur Koestler, que narrava o movimento da humanidade rumo à autodestruição.
Há pouca contextualização sobre o local e a época onde a história se passa. De imediato, vamos conhecendo os personagens principais e alguns detalhes sobre eles, mas o foco a princípio está na construção de Major, a primeira ciborgue compatibilizada com a mente humana.
De cara, percebemos que a Dr. Ouelet (Juliette Binoche) está extremamente realizada com o avanço da tecnologia e considera Major como um ser especial, enquanto a empresa que financiou as pesquisas a enxerga essencialmente como uma perigosa arma a ser usada. Surge aí um conflito ideológico sobre como utilizar essa nova descoberta da maneira correta.
Apesar da animação original ser muito à frente do seu tempo em vários aspectos, a mensagem de que “informação é poder” e as ameaças cada vez mais perigosas com hackers combinam perfeitamente com nossa sociedade atual. Mas, há grandes diferenças (já esperadas) entre as duas versões.
Enquanto o original tinha um ritmo muito mais paciente e reflexivo, “A Vigilante do Amanhã” foca muito mais na estética e em sequências de ação, propondo temas mais leves e objetivos para discussão. Francamente, eu considero o filme um blockbuster, portanto, essa abordagem mais “rasa” – na falta de palavra melhor – não chegou a me incomodar em momento algum.
Após uma abertura mais contida do que de costume, o filme engrena e a entrada da heroína em cena é bem impressionante. Toda a sequência da invasão ao prédio chama bastante a atenção não apenas visualmente, por conta da bela direção de arte e o esmero com a produção, mas também pela performance impactante da protagonista nas acrobacias e golpes.
Uma abertura visualmente impressionante marca a entrada da heroína em ação
Entretanto, como esperado, Major começa a duvidar do propósito da sua criação e passa a ter algumas visões que colocam em dúvida toda sua existência. Então, do segundo ato em diante o filme ganha uma atmosfera de mistério, ao passo que Major e seu colega Batou (Pilou Asbæk, o Pilates do novo “Ben-Hur”) precisam descobrir por que os hackers estão atacando executivos de uma grande empresa.
Basicamente, podemos dizer que é um filme sobre descobrir quem realmente você é e que discute a importância de se poder fazer escolhas. Soldados simplesmente cumprem ordens, e aí está o grande dilema da criação de ciborgues como Major. Apesar de, com a ajuda do cérebro humano, a máquina ganhar em raciocínio e improviso, ela perde em autocontrole e nos truques que a mente pode pregar.
Esse é o mote para o vilão Kuze (Michael Pitt) seduzir Major a querer descobrir a verdade sobre si mesma. Sua vida realmente foi salva ou foi roubada? A interpretação de Scarlett Johansson é bem plausível dentro do universo diegético do filme, conseguindo aliar momentos inexpressivos (como uma máquina deveria ser), mas tornando seu dilema pessoal real, verossímil.
Durante vários momentos no filme, a direção reforça a busca de Major por descobrir quem é olhando para dentro de si mesma
Obviamente, “A Vigilante do Amanhã” tem seus problemas. A conveniência das habilidades da heroína – como super reflexo e camuflagem – hora funcionam e hora são esquecidas. Um problema recorrente em Hollywood, mas que acaba tirando parte da credibilidade da trama. Durante a investigação, alguém morre segurando a pista exata que eles precisavam, demonstrando uma preguiça de desenvolvimento da história, entre outras coisas.
As sequências de luta também não empolgam tanto. Não que sejam mal feitas, mas não trazem nada de novo, correndo o risco de tornar toda essa parte da investigação muito genérica para alguns espectadores. Há também uma diferença grande com relação à animação, que é a faixa etária. Lógico que o estúdio não ia querer perder todo o público adolescente, mas é frustrante ver tantos socos e tiros sem qualquer impacto ou sequer uma gotinha de sangue.
O filme também tenta fazer uma leve crítica anti-sistema, mas sua mensagem não convence pois não vemos como isso afeta as pessoas, sendo assim, não nos importamos tanto. A história não se expande para que possamos entender aquele lugar como uma grande sociedade. Sendo assim, o que realmente acaba interessando é o mistério sobre o passado de Major.
Uma das maiores qualidades de “A Vigilante do Amanhã” é seu primor visual. Além dos ótimos efeitos e da ambientação bem influenciada por “Blade Runner”, a trilha sonora – que costuma ser o ponto forte neste tipo de filme – parece utilizar alguns instrumentos sintéticos e eletrônicos que resultam em composições bem envolventes e enigmáticas. Bom trabalho da dupla Lorne Balfe (“Lego: Batman”) e Clint Mansell (“Requiem Para um Sonho”).
Os outdoors animados e as cores neon em meio aos edifícios remetem à clássicos do sci-fi, incluindo “Blade Runner”
Quanto a direção de Sanders, confesso que não assisti ao seu filme anterior, e não acho que ele faz um mal trabalho em “A Vigilante do Amanhã”. É claro que há altos e baixos, como os repetidos slow motions, que tem um sentido puramente estético nas cenas de ação e agregam pouco. O vilão também é um pouco decepcionante, bem como as coreografias de luta, que poderiam ser mais caprichadas.
Mas, há um plano bem interessante onde Major interroga um personagem preso e o reflexo que ela faz na cela dá a entender que naquele momento ela está olhando para si mesma, confrontando seu próprio interior. Ou uma outra cena até poética, na qual novos soldados vão sendo recrutados para viverem como máquinas, onde parece estar nevando cinzas, que representam as cinzas dadas as famílias que perdem seus filhos para o sistema.
Mais um momento onde Major encara a si mesma. Este é o dilema central do filme.
Sendo assim, “A Vigilante do Amanhã” realmente é previsível, para alguns genérico, mas esteticamente é impressionante e conta com uma ótima contribuição por parte do seu elenco. Eu gosto do debate central do filme, de querer descobrir qual o meu propósito no mundo e de saber o que faria se pudesse confrontar meu criador.
Como um thriller de ação com sci-fi para as massas, o filme funciona muito bem, portanto, sua proposta foi satisfatoriamente atingida. Em termos de ritmo, ainda evita aquela famosa “barriga” que torna muitos filmes cansativos, e é um bom começo caso uma franquia venha aí pela frente. Embora não tenha a mesma profundidade e visceralidade da versão na qual foi inspirado, deixo uma própria frase do filme para explicar que ele funciona dentro do que propõe:
“Quando enxergamos nossa singularidade como virtude, só aí alcançamos a paz”.
E você, já assistiu ou está ansioso para ver? Concorda ou discorda da análise? Deixe seu comentário ou crítica (educadamente) e até a próxima!