Sabe quando você assiste a um filme e vem na sua cabeça “acho que já vi um algo parecido”? Caso já pensou nisso, saiba que é verdade. Quase todos os filmes, principalmente os americanos, são todos iguais, principalmente, pelo fato de seguirem uma mesma fórmula de roteiro. A divisão dos três atos e a jornada do herói são duas estruturas antigas do cinema, e são estruturas que organizam o filme e o tornam agradável ao público.
Syd Field, roteirista norte-americano conhecido e respeitado, além de autor de obras sobre a roteirização no cinema, durante muito tempo analisou uma certa formula seguida pela grande maioria dos roteiros, e isso ele deu o nome de “Paradigma dos três atos”. Segundo ele, o roteiro é dividido em três atos, que recebem o nome de Apresentação, Confrontação e Resolução.
Dentre essa divisão, Field estabeleceu uma média de 120 minutos para os filmes americanos, que, são estruturados no roteiro de forma que cada página se refere a um minuto do filme. A estrutura dos atos, na verdade, foi estabelecida muito antes com os gregos, no teatro, onde as histórias já traziam a estrutura dos três atos, afinal, uma história já é estabelecida com início, meio e fim. Dos gregos, os americanos enxergaram que haveria a possibilidade de utilizar essa divisão no cinema, e com isso, foi estabelecido os três atos nos roteiros.
A Apresentação, estruturada entre a página 1 e 30 é considerada o primeiro ato e serve para, justamente, apresentar os personagens e o contexto no qual estão inseridos. De acordo com Field, os dez primeiros minutos do filme são essenciais para prender o espectador, caso isso não ocorra, a absorção da história não acontece. O roteirista tem 30 páginas para apresentar a história, premissa, personagens, ambientação e situação, para que esses sejam desenvolvidos no próximo ato. Dentro desse primeiro, entre as páginas 22 e 27 temos o primeiro ponto de virada, o famoso “plot point”, ação estratégica para passar de um ato ao outro.
O segundo ato, conhecido como Confrontação, está presente entre o minuto 30 e 90, onde temos o centro da história (midi point) e é nesse ato onde temos o personagem principal enfrentando obstáculos que o impedem de alcançar seus objetivos, além de ser o ato que consiste em desenvolver o motivo que movimenta o personagem pela história. Nele está presente o drama, necessário para criar conflito, pois o mesmo garante personagens, e sem personagens não há história, e sem história, não há roteiro. O segundo ponto de virada está presente nesse ato dois, entre os 85 e 90 minutos, para que assim, a história caminhe para seu final.
Por fim, temos o terceiro ato, que não necessariamente significa fim. Resolução é a solução da história e o fim está dentro dele. Para Field, o fim não está no último ato, mas sim na última cena. O ato três deve trabalhar e conduzir as personagens para a solução da história e continuar levando o espectador junto.
Os atos estão presentes na maioria dos roteiros e junto com ele, a Jornada do Herói. Acredito que esse termo já deve ser do conhecimento de muita gente, afinal, é uma formula presente em grandes clássicos da história do cinema.
A Jornada do Herói ou Monomito, como também é bastante conhecido, trata-se de um conceito para uma jornada cíclica presente nas histórias e nos mitos. Joseph Campbell foi o antropólogo que analisou o conceito da jornada, criando seu nome em 1949, na obra ‘O Herói de Mil Faces’. A jornada, como os atos, também é dividida em três partes, a diferença é que dentro dessas três partes, existem 12 estágios.
A estrutura do Monomito é dividida em Partida, Iniciação e Retorno. A Partida consiste no herói destinando-se à sua jornada; Iniciação trata das aventuras que o herói passará por longo do caminho e o Retorno é a volta do herói à sua casa com os conhecimentos e poderes adquiridos. Tal estrutura foi estabelecida por Campbell, que a percebeu em quase todos os mitos, como a história de Prometeu, Buda, Jesus Cristo, entre outros. Tal observação resultou em uma oportunidade do cinema seguir a mesma linha.
Os 12 estágios da Jornada do Herói tem início no Mundo Comum, local onde o herói vive antes da aventura; os estágios seguem com O Chamado da Aventura, quando um desafio é imposto ao herói; Recuso do Chamado, momento em que o herói recusa ou demora para aceitar seu desafio; Encontro com o Mentor, um mentor ou mestre vai de encontro ao herói e o faz aceitar sua aventura; Cruzamento do Primeiro Portal, momento de transição do mundo comum para o mundo fantástico; Testes, Aliados e Inimigos, onde o herói enfrenta testes e inimigos e passa a ter aliados; Aproximação, o herói tem resultados positivos diante seus desafios; Provação Traumática, uma situação de crise na aventura, onde pode ocorrer uma primeira morte; Recompensa, após enfrentar a morte, o herói supera seu trauma ou medo e ganha uma recompensa; O Caminho de Volta, herói volta ao seu mundo comum; Ressurreição, situação onde o herói enfrenta a morte e deve usar tudo o que aprendeu; Regresso com o Elixir, herói volta a sua casa com a recompensa, o elixir.
Como linguagem cinematográfica, a estrutura citada não segue algo ao pé da letra, mas muita coisa é trabalhada com significações. Uma morte pode ser uma morte real ou simbólica, como um desmaio ou uma despedida. Vai do roteiro querer brincar com os estágios da jornada.
Caso não tenha entendido ou a estrutura do Monomito tenha ficado confusa, assista filmes como ‘Star Wars: Uma Nova Esperança’ (1977), ‘Matrix’ (1999), ‘Senhor dos Anéis’ (2001), ‘Harry Potter’ (2001), ‘Divergente’ (2014), ‘O Mágico de Oz’ (1939), ‘Shrek’ (2001), ‘Karatê Kid’ (1984) para entender. Para enxergar a Jornada do Herói de forma mais concreta, basta analisar o seu dia a dia e ver se não combina. Sua casa seria seu mundo comum, o despertador o chamado para a “aventura”, apertar a soneca ou negar o som do alarme faz parte do recuso ao chamado, encontro com os pais de manhã é o encontro com seus mentores, a ida ao trabalho ou faculdade é a primeira transição do mundo comum ao mundo fantástico, encontro com amigos e inimigos, desafios como transito ou provas da faculdade, a recompensa como salário e boas notas, e o caminho de volta para casa.
O cinema utiliza nossas vidas e aquilo que estamos acostumados para conquistar o espectador e faze-lo querer consumir, não só o cinema, mas qualquer outra grande mídia. A fórmula funciona, nomes citados acima demonstram isso e assim será por um bom tempo. Agora, é sua hora de escrever a sua vida como deseja, criando seus pontos de virada e suas jornadas, e caso queira criar algum conteúdo consumível, a sua base já está pronta.