Não fosse o fato de ‘Pequeno Segredo’ ter sido indicado como o candidato brasileiro ao Oscar de ‘Melhor Filme Estrangeiro’, talvez ele tivesse passado sem alarde pelas salas de cinema e para a mídia especializada. Antes mesmo de sua indicação ser oficializada ele já figurava em uma lista de candidatos, que já estava envolta na polêmica começada pela equipe envolvida na produção do filme ‘Aquarius’ (2016) em sua exibição no Festival de Cannes. O debate esquentou quando os produtores de ‘Boi Neon’ (2015) e ‘Mãe Só Há Uma’ (2016), decidiram desistir de suas candidaturas, em protesto ao suposto boicote, que o filme de Kleber Mendonça poderia sofrer pelos novos avaliadores da comissão do Ministério da Cultura (MinC) do governo de Michel Temer.
O segundo filho da família Schürmann, famosa por velejar ao redor do mundo, David Schürmann, se formou cineasta na Nova Zelândia, onde trabalhou em alguns programas de TV e filmes publicitários. Além de ser o CEO das empresas da Família Schürmann, também é palestrante e estreou na direção de longas-metragens com o documentário ‘O Mundo em Duas Voltas’ (2006), que retratava o dia a dia de seus familiares aventureiros. Posteriormente dirigiu o “found footage”, ‘Desaparecidos’ (2011), um filme de baixo orçamento que não se sobressaiu, provavelmente por sua baixa qualidade técnica e narrativa, que mesmo tentando se inspirar e emular a criatividade de filmes como ‘A Bruxa de Blair’ (1999), não conseguiu oferecer nada significativamente notável.
Em seu novo trabalho ele adapta o livro homônimo da própria mãe ‘Pequeno Segredo’ de 2012, com o carinho e o envolvimento de uma história que obviamente conhece muito bem. Visualmente o longa-metragem nos oferece belas cenas panorâmicas do mar, como esperado, em diversos momentos. Tanto na abertura quanto no fechamento do filme temos cenas aéreas utilizadas de forma praticamente filosófica, passando uma sensação de ciclo da vida. Entretanto, o longa não está interessado em abordar as viagens da família pelo mundo, mas sim em contar a história dos pais da filha adotiva Kat e dos anos iniciais da menina. Para quem não conhece a trajetória dos Schürmann, a forma como a narrativa é contada no primeiro ato, ajuda a despertar o interesse, pois a maneira como as cenas foram editadas, consegue manter o suspense, principalmente para o espectador que não conhecia nada ou pouco da vida das pessoas retratadas.
Os minutos iniciais do filme, apesar de conseguirem estabelecer um certo mistério interessante, sofre um pouco, talvez pela falta de química entre a brasileira Maria Flor (Jeanne) e o Neo-Zelandês Erroll Shand (Robert), os pais biológicos de Kat. Em compensação, quando Júlia Lemmertz (Heloísa Schurmann) entra em cena, ela consegue estabelecer uma carga dramática convincente, com uma interpretação natural de uma atriz experiente. Em contraste com a encantadora jovialidade da iniciante Mariana Goulart (Kat Schurmann) é sempre muito agradável ver as duas em tela, sendo que o público provavelmente será conquistado no decorrer da narrativa, e convencido da relação mãe e filha estabelecido por suas atuações.
O elenco coadjuvante é um pouco subutilizado, Marcello Antony (Vilfredo Schurmann) não tem muito tempo para grandes desenvolvimentos de personagem, mas dá conta do recado nas restritas cenas que tem. Assim como Fionnula Flanagan (Barbara) que mesmo que apareça pouco, consegue nos fazer odiar sua personagem em poucos minutos e já nos seus primeiros diálogos. Mesmo que a avó biológica de Kat, interpretada por Flanagan, não chegue a ter um arco narrativo completo, ela é uma presença constante no enredo, que quando aparece em uma mesma cena dividida entre o início e o final do longa, reforça a noção de “ciclo narrativo” e de que os atos têm consequências.
O maior problema dessa adaptação biográfica de uma passagem na vida dos Schürmann é que para quem já conhece relativamente sua história não vai encontrar nada de novo, principalmente para aqueles que já leram os seus livros. As boas atuações dramáticas e a narrativa originalmente trágica, por si só não fazem dele um filme memorável. O próprio documentário ‘O Mundo em Duas Voltas’ e os episódios de TV exibidos no programa Fantástico, sobre a família, são retratos mais fidedignos de sua trajetória. É muito provável que receba mais atenção por sua indicação ao Oscar, do que por suas características cinematográficas.
Apesar de ter suas qualidades ‘Pequeno Segredo’ não foi a melhor escolha entre os candidatos brasileiros ao Academy Awards 2017, não tem o toque autoral, nem a carga social de ‘Boi Neon’, ‘Aquarius’ e ‘Mãe Só Há Uma’, por exemplo, que geralmente são necessários para se destacar no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A justificativa de que ele “comunica melhor com o Oscar” dada pela comissão, faria algum sentido por ser um prêmio da indústria cinematográfica e pôr o filme brasileiro escolhido, ser mais “vendável”. Porém, o prêmio para filmes estrangeiros, costuma fugir desta regra, muitas vezes premiando o filme mais “original”. Tendo em vista esse elemento, sem dúvidas o longa-metragem de Mendonça seria a melhor escolha e é difícil defender que ficou de fora, por falta de mérito.