Houve uma época em que produções nacionais eram encarecidas com números musicais apreciáveis (as melhores, diga-se de passagem, foram feitas entre 1946 a 1959 com filmes excelentes como ‘Nem Sansão, Nem Dalila ou ‘Absolutamente Certo’). A chanchada foi um gênero dado a comédias brasileiras (não se comparam a estas feitas hoje em dia com pessoas intituladas, por algum motivo, de comediantes sem a menor vocação para tal, como Fábio Porchat ou Leandro Hassum), realizadas na Atlântida, uma rentável empresa cinematográfica que tivera bons atores e comediantes como Oscarito, O Grande Otelo, Zé Trindade e Dercy Gonçalves. Para saber mais das produções de uma era em que o cinema nacional realizava filmes de comédia de verdade, basta assistir ‘Assim Era Atlântida’. A diretora, montadora e roteirista Juliana Rojas (‘Trabalhar Cansa’) fez algo semelhante com sua estreia solo na direção de ‘Sinfonia da Necrópole’.
O filme, é um musical com roteiro ingênuo, simpático e divertido da própria Juliana, que faz também reflexões engraçadas de muito bom gosto e tem uma maneira hilariante de mostrar o outro lado da morte, repleto de humor negro. Quase narrado por seu protagonista, ‘Sinfonia da Necrópole’ é com certeza uma grata surpresa e dá uma nova vida ao nosso cinema que há anos não se via em uma boa trama, com excelentes toques musicais, desde o ótimo ‘Chega de Saudade’. Neste sentido, as canções são esmeros em tonalidades extremamente leves e sutis, após os primeiros seis minutos de projeção.
Deodato (o bonitinho Eduardo Gomes, afinadíssimo com seu timbre que por vezes lembra Chico Buarque no início da carreira), é um jovem aprendiz de coveiro que não tem a menor aptidão para o ofício. Medroso e inseguro, sua rotina muda com a chegada de Jaqueline (Luciana Paes, também muito afinada) uma mulher de personalidade forte por quem Deodato começa a nutrir um sentimento afetivo. Trabalhando juntos, eles têm a missão de localizar os túmulos abandonados por ordem do administrador do cemitério (o ator peruano Hugo Villavicenzio ‘O Cheiro do Ralo’, soltando a voz). Mas alguns eventos nada agradáveis fazem com que Deodato ache um desrespeito violar os túmulos. Tudo isso com cantorias e coreografias simples, mas que consegue manter seu charme e o interesse desde o começo – que é praticamente aberto com um gostoso samba, com uma reflexão sobre a morte e a profissão de coveiro.
Rodado em um cemitério, foi laureado com os prêmios de melhor filme e melhor interpretação no Festival Vitória e o prêmio de melhor longa no júri da crítica no Festival de Gramado, ambos em 2014. O título refere-se a cantos da cidade de pessoas mortas, bem como uma metáfora sobre o populismo nas grandes metrópoles brasileiras e sobre a ganância que as pessoas têm quando o assunto é negócios. O desfecho que traz gags sadias é quem se encarrega das crônicas sarcásticas, mas não faz qualquer deboche sobre falecimento.
Esta modesta produção é envolvente e vai crescendo ao longo de seus momentos repletos de lirismo, comicidades e graças, onde também à simpatia, espontaneidade e carisma dos atores secundários e figurantes que se encarregam de deixá-lo mais suntuoso. Não, não há cantoria o tempo todo caro leitor apimentado – e sim, os atores cantam suas falas em perfeita harmonia com ondas sonoras em altura precisa – e isso é o que mantém o público sempre atento a ele e feliz com o resultado.