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Nunca na história da sétima arte estadunidense existiu um diretor afro-americano que pudesse superar Spike Lee. Diga-se de passagem, o diretor tem uma enorme e imprescindível importância no cinema étnico racial e social. Em sua filmografia, Lee possui obras de sensos críticos que vão desde comédia, drama, gêneros biográficos, documentários até séries.
Este ano, ele surpreendeu a todos com seu novo longa-metragem no Festival de Cannes: BlacKkKlansman (‘Klan Negro’, ao pé da letra e intitulado como Infiltrado na Klan) e que estreia nesta quinta aqui no Brasil, em que várias cidades comemoram a semana afro-brasileira. O filme é baseado nas memórias do livro Black Klansman do ex-detetive Ron Stallworth, que, em 1979, tornou-se o primeiro oficial negro da cidade de Colorado Springs e participou de uma importante operação secreta.
Apesar de sua excelente filmografia houver filmes de peso como Malcolm X (1992), Febre da Selva (1991) e Faça a Coisa Certa (1989), Infiltrado na Klan é o seu projeto mais ávido e também o mais sensorial, tratando-se de críticas com inclusões de conteúdo do bom humor negro.
Lee deita e rola sobre o racismo, assunto que ele domina muito bem, sem perder a pegada já conhecida pelo público. Aqui, ele faz questão que saibamos da real história de um policial negro que se infiltra na Ku Klux Klan, organização racista secreta criada pela extrema-direita estadunidense no final do século XIX, logo após a Guerra Civil Americana.
Esta não é a primeira vez que a Ku Klux Klan é o principal foco de uma produção realizada na terra do tio Sam. Filmes como O Nascimento de uma Nação (1915) – que particularmente contém um alto teor racista – Ku Klux Klan – Chamas da Violência (1979) – baseado na história real de Gary Thomas Rowe Jr., que também se infiltrou na seita e serviu de testemunha-chave para levar aos tribunais diversos membros da Klan – e até um de mesmo título: The Black Klansman, de 1966, que relata de forma nua e crua a falta de empatia dos brancos com a comunidade negra.
Infiltrado na Klan trata-se de um filme que aparenta se passar nos dias atuais, bem como a história que, por mais absurda que possa parecer, é verídica e nos faz testemunhar cenas de ofensas do grupo extremista, coisa que hoje em dia está explicitamente presente, principalmente por meios de redes sociais (onde a coisa se intensifica cada vez mais). Por mais que a gente não perceba, Infiltrado na Klan é um filme sobre resistência à supremacia branca dos Estados Unidos da América e um ato de protesto que Lee nos convida a gritarmos juntos – já que aqui no Brasil, a coisa não é diferente.
Ambientado no final da década de 1970, Ron Stallworth – interpretado excelentemente por John David Washington – é um jovem aspirante a detetive. Ele começa disfarçado em uma das manifestações que estão começando a se espalhar para alertar os negros sobre a violência que estão prestes a sofrer – principalmente por parte das autoridades policiais. Ron, então, faz amizade com Patrice Dumas (Laura Harrier), uma líder ativista dos Panteras Negra.
É então que Ron casualmente vê em um jornal local o número do telefone da Ku Klux Klan à procura de novos membros. Ele se atreve a responder ao anúncio se fazendo passar por homem branco e decide fazer parte da equipe de investigação sob a supervisão de seu chefe. Enquanto Ron conquista a confiança deles, ele terá o auxílio de Flip Zimmerman (Adam Driver) para se passar por ele quando fosse preciso estar presente.
O problema é que Flip é um judeu que nunca deu a mínima de pertencer ao grupo odiado pela Klan ou pelo fato de seus ancestrais terem sofrido na época do Holocausto, chegando a negar suas origens e passando a disfarçar uma repugnância por negros e judeus com o objetivo de despistar os olhares desconfiados dos membros.
Repleto de discursos de ódio, tanto em cenas quanto na própria narrativa – tanto que o filme se inicia com uma simbólica cena de …E o Vento Levou (1939) em que mostra Scarlett em meio a soldados feridos, finalizando com a bandeira da confederação americana, principal emblema da supremacia branca dos Estados Unidos. O início segue então com um discurso nada cordial interpretado por Alec Baldwin, servindo como uma clara provocação à Donald Trump.
Infiltrado na Klan, neste caso, demonstra-se uma alegoria de debates e resistência à minorias americanas. Além de mexer na ferida e bater de frente com o atual governo do seu país, Spike Lee deu a cara a bater e dá nome aos bois, como o do ex-diretor nacional da Klan, David Duke (com quem Ron conversa por telefone), o desconfiado e impiedoso racista Felix Kendrickson e sua esposa Connie Kendrickson.
Eles não são os únicos que protagonizam cenas polêmicas. O músico e ator Harry Belafonte faz uma ponta magistral. Num papel de ativista ancião, ele narra uma assustadora linchagem do jovem de 17 anos, Jesse Washington, em maio de 1916. Jesse foi acusado injustamente de ter estuprado e matado uma mulher branca, Lucy Fryer. Jesse foi julgado e condenado por um júri formado apenas por pessoas brancas.
Enquanto ele fala da barbárie que o jovem sofreu, membros da Klan ovacionam a exibição do filme O Nascimento de uma Nação, com um palavreado pesado aos negros ao mesmo tempo que delatam seu ódio regado a aplausos. É claramente nítido que entre a montagem das duas cenas, há o embate entre resistência e a ignorância, bem como a posição política que o diretor faz questão de mostrar.
De início, o ritmo de Infiltrado na Klan não é de um suspense policial. Ele passa de comédia dramática, vai ganhando cada vez mais fôlego até seus momentos finais. É interessante acompanhar esta crescente espiral de força, garra e persistência de uma conquista pessoal de um diretor, que tem em seus trabalhos, narrativas dinâmicas que falam diretamente com o público a sua intenção.
Em sua nova obra, não foi diferente. Aqui, ele traz abordagens mais pesadas e intimistas com um final de cenas reais chocantes, como o próprio Lee já fez, tal como o israelense Ari Folman em A Valsa Com Bashir (2008). É necessário que as mostrem, por ser um filme que promove discussões lúcidas na saída dos cinemas por conta de seu forte impacto emocional que ele nos causa. Imperdível!
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