Um dos filmes com título mais longo que você vai encontrar em cartaz nos cinemas por aqui estreia essa semana. “Uma Dama de Óculos Escuros Com Uma Arma no Carro” é um suspense dirigido pelo francês Joann Sfar, baseado no livro escrito pelo renomado autor Sébastien Japrisot.
Na história, Dany (Freya Mavor) é uma secretária que é convidada pelo seu chefe (Benjamin Biolay) para terminar um trabalho na casa dele, pois ele irá viajar na manhã seguinte e precisa dos documentos prontos. Após acompanha-los ao aeroporto, seu chefe ordena que Dany leve de volta seu carro para casa, um lindo e chamativo Thunderbird.
O livro foi escrito na década de 60, quando as agências de publicidade estavam bastante em alta e as mulheres começavam a ganhar espaço no mercado de trabalho. Embora esse background não seja tão explorado pelo longa, percebemos que Dany é uma pessoa com sonhos ainda reprimidos, buscando uma libertação interior. Frequentemente, ela repete frases como “eu nunca vi o mar” e se mostra tímida e recatada em comparação à colegas de trabalho, por exemplo.
Há um elemento nostálgico bem forte em “A Dama” que o torna mais interessante e diferente dos suspenses convencionais de hoje em dia. Estilisticamente, o filme tem uma atmosfera neo-noir como “Amnésia (2000)” ou “Cidade dos Sonhos (2001)” e – sendo até um pouco mais ousado na comparação – remete à Nouvelle Vague francesa, popular na época em que o livro foi escrito.
O estilo noir também está presente no próprio pilar da narrativa. Além de contar com belas mulheres, todos os principais personagens são misteriosos e potencialmente perigosos, pela forma fria como agem e se expressam. Para tornar a trama ainda mais difícil de se prever, Sfar adiciona pequenos fragmentos de um crime intercalando com os eventos que vão acontecendo.
Toda essa construção estilística funciona muito bem no primeiro ato para conseguir prender a atenção do espectador. Mas, ainda era preciso desenvolver o mistério e fecha-lo de forma satisfatória, e é justamente nesse ponto que o filme começa a declinar. Como o filme nos dá pouquíssimas informações no início, não conhecemos a verdadeira relação entre Dany, seu chefe e a esposa dele (Stacy Martin), que aparentemente conhecia a secretária.
A direção é sofisticada, com passagens de tempo elegantes e belos enquadramentos. Há um certo fetichismo na maneira como Sfar filma que torna o filme sexy, remetendo também ao clima dos thrillers eróticos dos 90. Fica subentendido um desejo sexual e de glamour dos personagens e a forma como ele exibe as garotas (que mais parecem modelos), ou mesmo por meio de objetos, como o uso de cigarro, lingerie ou o próprio Thunderbird reforçam isso.
Sendo assim, Dany em posse do carro vislumbra a possibilidade de realizar seu desejo íntimo por poder e liberdade tomando uma decisão impulsiva: viajar para uma cidade litorânea para ver o mar e devolver o carro depois. A partir desse momento, entretanto, uma série de eventos misteriosos – que não irei mencionar para evitar spoilers, obviamente – começam a surgir e fazem o espectador se perguntar: mas o que está acontecendo?
Algo de roteiro que me incomoda bastante – e quem lê minhas análises já está acostumado – é o fato da personagem ficar falando consigo mesma o tempo inteiro. Eu sei que pode ser um artifício usado para gerar desconfiança sobre a personagem ter dupla personalidade, mas soa como se a direção não conseguisse ser competente o suficiente em explorar os recursos audiovisuais do filme para expressar o que o personagem está sentindo. Ao verbalizar, você pode até transmitir sua informação de maneira mais eficiente, mas com o tempo isso aliena o espectador a esperar pela informação pronta e o desencoraja a participar ativamente da história.
Ainda assim, o mistério consegue se sustentar de maneira atraente até o início do terceiro ato. Provavelmente, nesse ponto o espectador vai estar se perguntando um milhão de coisas, pois o filme insiste em fazer com que público e personagem estejam juntos sem entender o que realmente está acontecendo. Após delírios, suspeitas e algumas reviravoltas estamos lá, esperando sentir o prazer que é resolver esse quebra-cabeça, e o que acontece?
Infelizmente, um clímax e um terceiro ato bastante fracos e decepcionantes acabam fechando uma história que começou muito promissora. Mestres do roteiro como Robert McKee e Syd Field já haviam dito em seus livros sobre a importância dos minutos finais em um filme, especialmente em um suspense cheio de mistério como esse. É o final do filme que irá ficar gravado na mente do espectador por um tempo, é a recompensa que ele espera depois de tanto tempo investido com os personagens em uma história.
E digo mais. Esse é o diferencial de diretores que “são quem são” para aqueles que querem ser alguma coisa. Tenho certeza que referências do gênero como Lynch e Polanski nunca encerrariam o filme desta maneira decepcionante. Se você não sabe como mostrar de maneira convincente, apenas sugira. Nada mais poderoso – em termos audiovisuais – do que o poder da sugestão, os clássicos estão aí para provarem isso.
Joann Sfar é um cineasta promissor – possui uma animação muito inventiva chamada “O Gato do Rabino” – e espero que aprenda com essa experiência para voltar ainda melhor no seu próximo projeto. O elenco está bem, com destaque para a protagonista Freya Mavor, que passa credibilidade a todas as nuances da protagonista, insegura, misteriosa, tímida e sensual ao mesmo tempo, o que também é fundamental para o que foi proposto no longa.
Sendo assim, dizer que “Uma Dama de Óculos Escuros Com Uma Arma no Carro” desperdiça completamente sua boa e misteriosa premissa, talvez seja um pouco forte e injusto. Até porque, o filme possui elementos que tornam sua visita interessante, especialmente em termos de estilo. Fica a recomendação de uma opção para quem procura um mistério diferente e charmoso, mesmo que derrape no terceiro ato.
E você, já assistiu ou está ansioso para ver? Concorda ou discorda da análise? Deixe seu comentário ou crítica (educadamente) e até a próxima!