“O Chamado da Floresta” oscila entre o infantil e o dramático para refletir sobre amizade e autoconhecimento

Quando pepitas de ouro foram encontradas em rios do Alasca, em 1896, um grande número de norte-americanos partiu em busca da chance de bamburrar suas vidas para melhor. Ali, onde pequenas cidades se levantaram em meio a sonhos beirando o impossível, todos só pensavam em uma coisa: encontrar um pouco de ouro. Este é todo o contexto por trás de O Chamado da Floresta, filme baseado no conto de Jack London, publicado em 1903.

Tendo rendido inúmeras adaptações desde então, o conto se transformou numa icônica obra da literatura norte-americana, sendo banida por alguns países e, inclusive, queimada por nazistas em suas investidas de censura. A história acompanha Buck, um grande e dócil cachorro que vive uma vida de mordomia como animal de estimação de um farto prefeito; as coisas mudam, entretanto, quando é capturado para servir de cão de trenó no Alasca. Mas, então, surge a dúvida: o que um conto sobre um doguinho no Alasca tem para ser censurado pelo regime nazista? Mais do que uma obra para aquecer o coração, tanto a obra literária quanto o novo filme, dirigido por Chris Sanders, abordam, ao mesmo tempo, a noção de liberdade e de luta dos oprimidos.

Buck, após ser exposto a um constante cenário de opressão, começa a optar, pouco a pouco, pela sua liberdade a partir da luta pelo que acredita. Não aceita ser acorrentado pelos homens, conquista seu lugar enfrentando o cão que o subjuga e, não pensando só em si mesmo, se sacrifica para proteger aqueles que ama; o personagem, assim, passa das páginas de um folhetim para uma bela figura audiovisual, demonstrando, artisticamente, que vale sim apena lutar contra correntes, sejam estas físicas ou simbólicas.

O protagonista – sim, o cachorro –, se transforma ao longo do filme, indo de um cachorro mimado a um nobre animal da selva. Passando pelas mais diversas situações, desde maus-tratos até abandono, o filme constrói aos poucos o caminho de Buck, que cresce conforme sua jornada de autodescobrimento. Em vez de ser apenas mais um dócil animal que segue, cegamente, aqueles ao seu redor, o protagonista se põe a frente e desafia as noções lhe impostas – seja por seus donos ou pela própria natureza – para ir além e conquistar aquilo pelo qual anseiam seus instintos, antes adormecidos.

Sanders, em meio a uma narrativa que oscila entre o infantil e o dramático, não hesita em entregar, desde o começo, parte do destino de seu personagem principal, deixando claro que seu caminho voltará a se cruzar com o personagem interpretado por Harrison Ford, seu futuro dono. Agora não mais ao lado de um wookiee, e sim de um cachorro, Ford encanta com um personagem cheio de camadas, um homem solitário, em luto pela morte do próprio filho e, consequentemente, buscando um novo sentido para sua vida. A amizade de ambos os personagens acontece de forma espontânea, com encontros pontuais ao longo da trama, os quais guiam ambos seus destinos para uma união de benefícios mútuos, pois ambos encontram, um no outro, aquilo que procuram há muito: um sentido para seguir em frente.

Ainda que entregue uma estética bela, mas não espetacular, O Chamado da Floresta é uma visão otimista acerca do potencial de cada pessoa, caso esta busque encontrar a si mesma e combata os limites lhe impostos. Não se deixando abaixar a cabeça perante injustiças, o protagonista – um desengonçado cachorro que um dia viveu em mordomia – consegue conquistar o espectador se mostrando mais humano do que qualquer outro personagem ao longo da trama. Novamente das páginas ao cinema, a nova obra traz uma visão divertida do conto de London, sendo feito para todas as idades e trazendo, consigo, uma bela reflexão acerca da libertação pessoal e, mais do que isso, sobre o peso de uma amizade.

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