Filme de terror não é feito só de sangue e susto. Por trás de todas as mortes e tensões, existe uma mensagem a ser passada, e muitas vezes de forma muito implícita. O gênero de terror, no cinema, nasceu há mais de um século e foi fortemente inspirado pela literatura de Edgar Allan Poe, Bram Stoker e Mary Shelley.

Recentemente, o sobrenatural e o macabro são temas frequentes nos longas, e muitos lidam com os pesadelos e os medos ocultos do espectador, levando muito do cotidiano para as telas de cinema. O terror, no meio cinematográfico, não passa de alegoria aos nossos medos. Muitas vezes, o espectador, sente-se confortável e seguro em suas poltronas conseguindo afastar o que acontece na tela, mas muito dos filmes procuram eliminar esse conforto.

Nesse texto, você verá que muitos dos filmes cujo acreditava ser um simples filme de terror, mas que trazem uma mensagem aterrorizante para o espectador.

M 1

O recente ‘Corrente do Mal’ (2014) fez sucesso entre os críticos, e não poderia ser diferente. Dirigido por David Robert Mitchell, o terror apresentado foge do costumeiro terror fantasmagórico e bebe da fonte do terror psicológico, trazendo tensão a cada minuto, com uma trilha sonora envolvente e pesada, além de uma fotografia maravilhosa. Muitas das interpretações que o filme transmite podem ser absorvidas através da perseguição que os personagens sofrem, mas a representação metafórica das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) é explicitamente bem apresentada. Por ser um assunto ainda atual, o terror passa a ser maior e mais forte, ainda para os jovens. A doença é lenta, letal e não importa onde estiver, ela sempre estará com você.

O filme só chegou no Brasil em 2015, fazendo sucesso de público e crítica, sendo considerado um dos melhores filmes do ano.

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Muito das metáforas presentes em ‘O Exorcista’ (1973) se deve a sua época. Após a década de 50, a sociedade americana ficou marcada pela sua “juventude transviada” e muito dessa característica está presente na adaptação do romance escrito por William Peter Blatty. A personagem Regan, interpretada por Linda Blair e dirigida por William Friedkin, nada mais é do que uma “representação simbólica dos males que acometiam os jovens oriundos da sociedade tradicional estadunidense da época, um estado social em frangalhos após a liberação sexual e a viagem ao âmbito das drogas permitidas pelos movimentos sociais que exigiam um novo olhar para a dinâmica do mundo”.

É possível observar também que o mal “escolhe” Regan, filha de uma mãe solteira e atriz de cinema, ou seja, uma mãe livre e independente.

M 3

O rei das sequencias, Jason Voorhees, da série ‘Sexta-Feira 13’ (1980) também sempre tem algo a dizer em meio ao banho de sangue e perseguição de adolescentes. No primeiro filme, o clássico de 1980, Jason morre afogado no lago do Acampamento Crystal Lake por descuido dos monitores, que estavam namorando. Após a morte do jovem Jason, monitores do acampamento são mortos e é revelado que tudo foi feito pela mãe de Jason, por vingança. Podemos retirar, do primeiro filme, uma crítica ao sexo em si, já que foi a causa da “distração” dos monitores e causa da morte de Jason.

Presente nas outras sequencias, o “final girl”, termo usado para a última vítima do assassino ser uma mulher e existir um combate entre os dois é uma metáfora para as relações conflituosas entre homens e mulheres na sociedade, principalmente nos tensos anos 1980, de acordo com a especialista nos estudos de gênero, Carol Clover. ‘Sexta-Feira 13’ nos apresenta um pouco do conflito de gêneros, entre homens e mulheres, como códigos sexuais e a virgindade como recurso para se manter ileso.

The Babadook

O também recente, e sucesso de crítica, ‘The Babadook’ (2014), traz uma metáfora tão forte e recente quanto a apresentada em ‘Corrente do Mal’. No filme, somos apresentados a Amelia, que perdeu recentemente o marido em um acidente de carro e passa a cuidar do filho Samuel, de seis anos, sozinha. Durante uma noite, Amelia decide ler o misterioso livro “O Senhor Babadook”, história sobre uma entidade sobrenatural que uma vez que alguém tenha conhecimento de sua existência, o monstro causa tormentos a pessoa.

O terror psicológico nos apresenta um mal poderoso em sua forma física: a depressão. Após a perda do marido e a mudança de comportamento do filho, a personagem de Amelia se vê perdida em uma vida que não considera mais feliz, e Babadook é a representação física de seu medo. Presente em sua vida, a depressão pode ser tratada, amenizada, mas ainda existe uma parte do ser humano a alimentando, como é possível observarmos no final do filme. Para o jornalista Tim Teeman, do site Daily Beast, Babadook é a representação do sofrimento, e disse que o filme é “sobre as consequências da morte; enquanto seus remanescentes vêm destruindo muito tempo depois que o cadáver foi enterrado ou queimado”. O medo apresentado, mesmo metaforicamente, é real e pode atingir qualquer um.

M 5

Atualmente vivemos na era da tecnologia e vemos tudo o que acontece a todo momento sobre qualquer pessoa. Isso é a teoria desenvolvida por Guy Debord, responsável pelo conceito da “sociedade do espetáculo”. Tal conceito é fortemente apresentado e explorado na série ‘Pânico’ (1996) e ganha forças a cada filme, graças ao desenvolvimento tecnológico. Um dos pontos da obra de Debord é a presença de imagens na sociedade, simultâneo ao processo de alienação que produtos, como filmes, manifestações de publicidade e propaganda, poderiam provocar. Para o teórico francês, o espetáculo é um agente de manipulação social e uma coletividade conformista.

Junto com o prazer e intenção de tornar as mortes públicas e com grande influência da mídia, os filmes também apresentam o sensacionalismo jornalístico e a falta de ética num processo de espetacularização e banalização da violência, mostrando que o jornalismo local lucra com os assassinatos sem tratar, eticamente, sobre as vítimas.

M 6

George Romero foi um percursor do terror e o principal nome do desenvolvimento dos zumbis no gênero e existe muito por trás desses seres comedores de carne humana. O clássico de 1968, ‘A Noite dos Mortos-Vivos’, dirigido por Romero, faz críticas a cultura americana da era dos acontecimentos da Guerra do Vietnã, e consequentemente da sociedade do fim da década de 60.

Agora, nas mãos de Zack Snyder em ‘Madrugada dos Mortos’ (2004) também presenciamos uma crítica a sociedade consumista. O grupo de sobreviventes utiliza o shopping center como refúgio. Os zumbis do filme retêm o impulso consumista como a última lembrança das suas vidas. Criado por Karl Marx, o fetiche da mercadoria perde sentido no filme, já que os produtos perdem seus valores e seu poder de atração, tornando-se objetos. Os zumbis (metáfora dos seres humanos atraídos pela ótica da cultura do consumo) representam o processo de massificação promovido pelo sistema capitalista.

Filmes de terror vão muito além do susto e do simples entretenimento, as alegorias presentes tendem aproximar, ou as vezes afastar, o espectador da história e apresenta-lo um terror mais aterrorizante, a própria realidade.

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