Horizonte Profundo – Desastre no Golfo

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Depois de dirigir filmes inconsistentes como ‘Hancock’ (2008) e ‘Battleship – A Batalha dos Mares’ (2012) Peter Berg surpreendeu com o filme ‘O Grande Herói’ (Lone Survivor, 2013), que também trazia Mark Wahlberg no elenco, mas que foi assistido por um público restrito, devido a distribuição limitada. Além de uma direção competente, eficaz em estabelecer uma atmosfera que emergia o espectador em um tiroteio no Afeganistão, onde soldados tiveram que sobreviver a uma missão malsucedida, os demais aspectos técnicos, como a edição de cenas e a edição de som, faziam com que o público praticamente sentisse a dor dos personagens, favorecendo as atuações do elenco americano. O defeito de ‘O Grande Herói’ estava na narrativa unilateral, que retratava o conflito, utilizando a já conhecida forma ufanista hollywoodiana, onde o ponto de vista dos combatentes árabes estava quase totalmente ignorado ou estereotipado, colocando os norte-americanos como as únicas vítimas e heróis da história.

À sua maneira ‘Horizonte Profundo – Desastre no Golfo’ (‘Deepwater Horizon’, 2016), lembra muito ‘Lone Survivor’, pois as cenas que retratam o acidente da plataforma Deepwater Horizon são visualmente impressionantes e tecnicamente bem-feitas, mas pecam em seu enredo, que perde a conexão emocional do público com seus personagens, durante a narrativa e por retratar os fatos reais de forma muito superficial. O roteiro aborda somente os acontecimentos brevemente anteriores e posteriores à explosão, favorecendo a ação, em detrimento do potencial de drama humano das vítimas. Apesar de o filme garantir alguns momentos de “entretenimento” que satisfazem nosso gosto mórbido de vivenciar desastres, as reportagens e documentários televisivos que foram produzidos sobre o incidente trazem muito mais detalhes, realmente importantes, principalmente sobre as consequências ambientais, e na vida dos sobreviventes e familiares das vítimas que sofreram ferimentos graves e fatais. Para quem quiser saber mais sobre as consequências pós-explosão, assista ao episódio da série ‘Mega Desastres’ do canal National Geographic ou a reportagem-documentário da TV norte-americana PBS.

Crédito: Divulgação

O elenco foi satisfatoriamente escalado. Mark Wahlberg é convincente como um simples trabalhador, mas com imposição em tela e com o carisma de um “herói de ação”, ainda que não tenha o melhor desempenho em cenas dramáticas. Kurt Russell como o trabalhador técnico, em conflito com o administrador John Malkovich, também formam uma dupla que funciona bem quando aparecem juntos. Dylan O’Brien, Kate Hudson, Gina Rodriguez acrescentam qualidade aos personagens coadjuvantes, mas estão subaproveitados.

Os primeiros minutos do longa-metragem, que nos mostram a interação dos personagens, são os trechos mais interessantes do enredo ao desenvolver os diálogos entre eles. O personagem principal Mike Williams (interpretado por Mark Wahlberg), em seu ambiente doméstico com a filha e que tem que se comunicar com a esposa por vídeo chamada, quando está no trabalho. O chefe da segurança Jimmy Harrell (Kurt Russell), que tem que executar testes de prevenção de acidentes e lidar com a pressa do executivo Donald Vidrine (John Malkovich), que quer compensar o atraso na extração do petróleo. As conversas triviais entre os funcionários, assim como as rotinas técnicas que são realizadas pelas equipes de perfuração da plataforma, conseguem despertar o interesse do público no primeiro ato do roteiro, mas não mantém o mesmo envolvimento nos segundo e terceiro.

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Crédito: Divulgação

Entretanto, quando o desastre começa, as cenas das mortes, apesar de serem convincentes e elaboradas, não nos transmitem o peso da tragédia que realmente tiveram. Provavelmente isso acontece por causa da velocidade com que a ação ocorre, pois mesmo que o acidente real tenha se passado em poucas horas, o filme faz parecer que foi ainda mais rápido e não nos dá tempo de refletir e “sentir a dor” de cada óbito. Apesar de sermos avisados no início do filme que se trata de uma história real, só nos lembramos novamente das vítimas reais, nos créditos finais, quando vemos as fotos dos 11 trabalhadores falecidos.

O cenário, caso não tenha sido filmado em uma plataforma real, é muito convincente em nos transportar para uma instalação marítima de exploração de petróleo. A apresentação do maquinário da empresa com “milhões de partes”, como mencionado por um dos personagens é ameaçador e passa a impressão de que qualquer coisa que aconteça de errado pode matar muitos dos funcionários, o que de fato ocorre. A construção da primeira parte do filme consegue criar tenção e nos fazer esperar pelo momento em que o desastre vai começar. O problema é que quando os acidentes fatais começam, pelo fato de o foco não estar no drama das situações trágicas, assistimos a uma espécie de espetacularização das mortes.

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Crédito: Divulgação

Inclusive, durante a produção do longa, alguns dos trabalhadores da plataforma criticaram a realização do filme, alegando que ele desonraria a memória das vítimas. Além disso, o longa-metragem de Berg não examina os custos ecológicos e financeiros, do vazamento de petróleo da sonda da British Petroleum no Golfo do México, que foi o maior e mais longo já registrado. Com custos ambientais incalculáveis derramou mais de 5 milhões de litros de petróleo, por quase três meses, desregulando todo o ecossistema marinho e a economia da região. As empresas envolvidas, a Transocean e a Halliburton, além da petrolífera já citada, foram condenadas a pagar bilhões de dólares em multas e indenizações, por causa dos danos causados às famílias das vítimas, ao turismo e a indústria de frutos do mar.

Ainda que ‘Horizonte Profundo – Desastre no Golfo’ não retrate exatamente um acidente naval, ele pode se encaixar no gênero, pelo fato de o desastre ter ocorrido em alto-mar e a sonda ser uma espécie de navio. Em comparação, o longa é tecnicamente superior a outros filmes, como o que estreou neste ano, também baseado em um acidente marítimo real, ‘Horas Decisivas’ (‘The Finest Hours’, 2016), até por que ele teve um orçamento maior. A diferença de tom narrativo entre os dois, está no fato de que enquanto ‘Deepwater Horizon’ é um thriller de ação sobre um acidente em si, ‘The Finest Hours’ é um drama sobre um resgate praticamente impossível de ser realizado. O primeiro é inegavelmente uma experiência de cinema com maior qualidade e mais compensatória como entretenimento, mas por tentar se afastar demais do fator humano e por optar por não discutir as consequências ambientais e econômicas, acaba se tornando uma forma um tanto bizarra de se abordar uma tragédia que ainda tem consequências negativas severas na vida de muita gente e para o meio-ambiente.




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