RESUMO
Lee Chandler (Casey Affleck) é obrigado a voltar para sua cidade natal para cuidar de seu sobrinho (Lucas Hedges) e ajudar nos preparativos do funeral de seu irmão (Kyle Chandler). Nem um pouco à vontade com o papel de substituir o pai do garoto, vão surgindo conflitos que o fazem encarar os motivos pelos quais abandonou a cidade de Manchester. O filme está nas mãos de Kenneth Lonergan, um diretor e roteirista que ganhou muito destaque com seu filme de estreia ‘Conte Comigo (2000)’, indicado a dois Oscars – de Melhor Atriz e Roteiro Original. De lá para cá, Lonergan foi indicado ao Oscar pelo roteiro de ‘Gangues de Nova York’ e dirigiu apenas mais um filme, ‘Margaret’, um projeto ambicioso de 2 horas e meia, mas que não foi tão bem recebido. Após cinco anos longe das telas, Lonergan retorna com o profundo ‘Manchester À Beira-Mar’.
A CIDADE REALMENTE EXISTE?
Não confundam com a conhecida Manchester da Inglaterra, mas a cidade não só existe como se chama Manchester-by-the-Sea (título original do filme), localizada no estado de Massachussets, nos EUA. Como de costume no estilo do diretor, o filme toca muito nas relações familiares e como as pessoas reagem as tragédias que acontecem. Para mim, a essência de ‘Manchester À Beira-Mar’ é mostrar um personagem lutando para encontrar um caminho para a paz interior, tendo que superar traumas e lidar com o luto, uma das coisas mais difíceis que um ser humano pode encarar durante sua vida.
Randi (Michelle Williams) e Lee em um desconfortável reencontro
O ENGENHOSO ROTEIRO
O roteiro esteve presente na Blacklist de 2014, dos filmes mais desejados que não conseguiram ser produzidos no ano. A ideia original para o filme veio de Matt Damon e John Krasinski (da série The Office), mas devido a conflitos de agenda Matt não pôde mais ficar com o papel principal – que felizmente caiu nas mãos de Casey Affleck – e nem dirigir o filme, deixando para Lonergan não apenas o roteiro, mas também a direção do projeto (Damon ficou como produtor do filme). Em uma combinação perfeita de roteiro, direção e montagem, o filme deixa de ter uma estrutura de três atos convencional para ir soltando ao espectador as explicações das ações dos personagens gradativamente, por meio de flashbacks. Sendo assim, a princípio o protagonista é uma total incógnita e não sabemos o tipo de pessoa que ele é, mas ao longo do filme vamos o conhecendo mais e mais profundamente. Não dá para dizer que é genialidade, mas demonstra uma engenhosidade incrível de Lonergan como contador de histórias, pois assim ele sai do drama óbvio para trazer algo que nem todo espectador está habituado.
[ Atenção ao diálogo na cena de abertura do filme
HUMOR NEGRO E CONSTRUÇÃO DE EXPECTATIVA
Manchester é uma cidade muito pequena, onde há muitos pescadores, como eram os ‘Chandlers’. Embora com personalidades muito diferentes, o sobrinho bom de papo Patrick (Hedges) e o próprio Lee (Affleck, completamente introspectivo), carregam um mesmo traço de personalidade da família Chandler: o humor negro. Isso é muito interessante, pois não é algo que esperamos em um drama que toca em assuntos tão delicados como faz o filme. Mas, frequentemente tanto os personagens quanto o público acabam dando risada com algo que não deveria, e isso também traz um charme especial, pois há um alívio cômico para equilibrar. E nessa estrutura de mostrar e depois explicar, o filme constrói um suspense em cima do passado de Lee e vai construindo, construindo até uma cena que quando acaba parece atingir como um soco na boca do estômago, extremamente emocionante e pesada. É um momento tão impactante que depois disso nunca mais veremos os personagens da mesma forma.
Lee (Casey Affleck) e Patrick (Lucas Hedges), unidos pela tragédia
E O OSCAR VAI PARA…
Realmente Casey Affleck surpreende em ‘Manchester À Beira-Mar’. Não apenas em termos de atuação, pois quem já viu ‘Medo da Verdade’ ou ‘O Assassinato de Jesse James’ – pelo qual foi indicado ao Oscar – sabe da capacidade e do estilo de interpretação do ator, normalmente um personagem mais recatado ou passivo-agressivo. Algumas dessas características estão presentes em ‘Manchester À Beira-Mar’, mas o fator determinante para sua incrível atuação foi um papel onde pôde demonstrar todo o remorso, raiva, indecisão, honestidade, charme e humor peculiar que o personagem precisava, dentro de uma história incrivelmente bem escrita. O medo de ter de encarar o passado está estampado no seu rosto, as sutilezas de sua atuação fazem a diferença, como na cena do funeral, do interrogatório ou da discussão com Michelle Williams (que infelizmente aparece pouco, mas pontualmente). Lucas Hedges (como um rebelde, mas compreensivo adolescente) e Michelle, a propósito, estão excelentes também e talvez até mereçam figurar entre os indicados, mas Casey está num outro nível e merece levar a estatueta para casa.
[ Aqui vemos Lee pressionado no quadro, reforçando estar em uma situação na qual não desejou
DIREÇÃO E CONCLUSÃO
Como mencionei anteriormente, ‘Manchester À Beira-Mar’ tem uma montagem muito inteligente, que ajuda a criar ‘drama dentro de drama’ na história, fazendo o filme se encaixar perfeitamente. Tanto a primeira quanto a última cena, sintetizam perfeitamente toda a jornada que as mais de duas horas de filme irão nos contar. Quanto mais sabemos sobre os personagens, mais somos emocionalmente tocados, mérito também da trilha sonora pesadíssima, fúnebre e depressiva do filme. A direção de Kenneth Lonergan (que faz uma rápida participação no filme) é propositalmente paciente, o que pode afugentar alguns espectadores desavisados, mas vale a pena embarcar na trama pela catarse que ela pode proporcionar. As cenas são filmadas com crueza, naturalidade (as vezes até desconfortáveis e ‘estranhas’) e o clima frio da cidade ajuda a reforçar o interior do protagonista, precisando aquecer sua alma e exorcizar todos os seus demônios. ‘Manchester À Beira-Mar’ é um filme que comove por parecer tão real quanto a vida, um tocante retrato sobre perdas, culpa e encontrar um novo caminho em busca da paz.
E você, já assistiu ou está ansioso para ver? Concorda ou discorda da análise? Deixe seu comentário ou crítica (educadamente) e até a próxima!