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“Essa casa parecia um alvo fácil. Até eles encontrarem o que havia dentro dela”. Falar de ‘O Homem nas Trevas’ sem contar um pouquinho sobre a interessante trajetória do diretor Fede Alvarez é quase impossível. Ainda no Uruguai, por volta dos trinta anos de idade, ele dirigiu um curta-metragem chamado ‘Ataque de Pânico’ (2009). Particularmente, o curta não me chamou muito a atenção, mas foi suficiente para que o genial Sam Raimi, criador da trilogia ‘A Morte do Demônio’ se impressionasse e convidasse o jovem diretor a realizar o remake deste grande clássico do terror “trash” dos anos 80. O trabalho realizado por Fede pode não ter agradado a todos, mas certamente serviu para mostrar ao mundo que estávamos diante de um dos mais promissores diretores do cinema “gore” atualmente. Em ‘O Homem nas Trevas’, Fede continua explorando meios de como chocar o espectador, mas desta vez, com muito menos sangue, apostando no poder da insegurança que o escuro tem sobre nós e aproveitando para nos surpreender em vários momentos.

A premissa do filme é básica e o trailer não dá muitas informações, fazendo parte da proposta do diretor de apostar no mistério para prender a atenção do espectador. Rocky (Jane Levy), seu namorado Money (Daniel Zovatto) e seu amigo Alex (Dylan Minette) estão em busca de dinheiro fácil e para isso, procuram saber de casas com joias ou pertences valiosos para invadir e roubá-las, enquanto os donos estão fora. Até que surge a dica da casa de um homem cego (Stephen Lang), que supostamente guarda muito dinheiro no local. Para ladrões que fazem isso já há algum tempo parece simples certo? É o que veremos. Primeiramente, é necessário saber que o filme é de baixíssimo orçamento (custou menos de $10 milhões) e é um filme do Fede Alvarez, ou seja, o espectador já deveria assistir preparado para ser impressionado visualmente em alguns momentos e, mais do que isso, ciente de que algumas questões morais sejam provocadas pelo diretor ao longo do filme. Gostando ou não deste estilo de thriller que lida com questões perturbadoras do indivíduo, uma coisa não dá para negar: a história é intrigante e quem começa vai querer de toda forma saber como ela termina.

Jane Levy;Dylan Minnette;Daniel Zovatto

Quanto a construção dos personagens, algo interessante sobre eles é que Rocky e Alex estão lá, fazendo a mesma coisa, só que por razões diferentes – enquanto uma não tem pai, a mãe não trabalha e se aproveita do dinheiro dela, o outro tem um pai com bom emprego e aparentemente uma educação muito boa. Portanto, nesse sentido, Fede Alvarez pode estar nos mostrando que ser pai ou mãe, é muito mais do que prover o sustento dos filhos, mas estar junto, conversando e se interessando por suas preocupações e dilemas, mas não sendo negligentes a ponto de perdê-los para uma vida de crime, isso acontece com muita frequência, é só assistirmos aos noticiários. Filmicamente falando, a trama segue precisamente a linha tênue que separa nosso medo trágico (segundo Aristóteles, quando nos identificamos com o personagem a ponto de não querer que ele sofra) do desejo pela ‘pornografia da dor’, ou seja, nossa necessidade enquanto seres humanos de ver os malfeitores sendo punidos pela injustiça que eles estão infligindo em outra pessoa. Portanto, Alvarez habilmente mescla os papéis dos personagens, mexendo com o psicológico do espectador, pois jamais fica totalmente claro quem são os heróis e quem são os vilões, ou se todos podem ser todas as coisas, dependendo do ponto de vista.

O elenco tem bons e maus momentos. Stephen Lang e Jane Levy estão excelentes e convencem bastante em seus papéis, já Dylan Minette até condiz com a personalidade insegura de Alex, mas quando precisa de uma postura mais enérgica em determinado momento da trama, deixa muito a desejar. Considerando que o filme é um thriller, lhe falta vigor, pois precisa ser algo que mexa com as emoções do espectador. Dylan entrega exatamente o que havia feito em ‘Os Prisioneiros’ (2013), uma postura muito passiva, que encaixou bem naquela oportunidade, mas porque seu papel era totalmente diferente. E esse elo mais fraco do elenco pode ter reduzido grande parte da tensão no desenvolvimento da história, embora Alvarez consiga contornar esse “problema” através da trilha de Roque Baños, de ‘O Operário’ (2004), que cria um clima psicológico bem interessante, e na ausência da trilha, a brilhante captação de som que permite sentirmos a respiração ofegante dos atores (justificando o título original ‘Don’t Breathe’) e ainda fortalecendo o personagem cego, que necessita de cada ruído para se orientar. Esteticamente, a direção também merece elogios por saber habilmente manipular a escuridão (uma das melhores sequências do filme se passa totalmente no escuro), além de uma outra cena que lembra uma das melhores de ‘O Mundo Perdido’ (1997), onde há uma forte antecipação do suspense quando um personagem está sobre uma fina camada de vidro se rachando.

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Crédito: Divulgação

Claro que nem todos devem gostar, porque Fede Alvarez nos mostra algumas atitudes dos personagens levantando algumas questões (especialmente morais) e não tem a preocupação de respondê-las, o que pode soar ofensivo para alguns. Outros, também, podem se incomodar com o excesso de reviravoltas da trama, dando a impressão de vários “falsos finais”, mas por outro lado, é uma estratégia da direção de manipular o espectador revertendo suas expectativas e o final é no mínimo bem interessante. Para quem gosta de thrillers como foi a grata surpresa de ‘O Presente’ no ano passado, ‘O Homem nas Trevas’ faz um misto de ‘Quarto do Pânico’ com ‘Os Suspeitos’, e merece o sucesso que tem feito pela ousadia da sua produção. E para os fãs, como eu, desse “neoterror trash”, ou seja, filmes esteticamente estilosos, que tocam em assuntos provocantes e até perturbadores para algumas pessoas, que têm resistido bravamente mesmo que sobrevivendo à margem dos “blockbusters” repetitivos, Fede Alvarez segue como um dos principais nomes a serem seguidos bem de perto daqui para frente.




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