O QUARTO DE JACK - Room (2015)

‘O Quarto de Jack’ (2015) é com certeza um dos filmes mais emocionantes selecionados para concorrer ao Oscar em 2016. A temática é tão pesada quanto a abordada por ‘12 Anos de Escravidão’ em 2014. No entanto, a forma como o primeiro citado foi construído é até mais angustiante do que foi no segundo longa mencionado. Não que a realidade seja mais terrível em um do que em outro, porém o ambiente claustrofóbico em que se passa ‘Room’ (no original) e o fato de um dos personagens principais se tratar de uma criança, deixa a atmosfera narrativa ainda mais tensa.

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O enredo já coloca o público dentro do drama dos personagens logo de início. O espectador se sente desconfortável nas primeiras cenas ao notar o quão pequeno é o quarto em que os dois vivem, principalmente as pessoas que tiverem maiores níveis de claustrofobia. Ainda que o foco narrativo seja pela perspectiva do menino Jack (Jacob Tremblay), que nos conta tudo de uma forma “doce”, com sua voz “suave”, nos fazendo esquecer da realidade terrível em que se encontram, em alguns momentos. O que começa quase lúdico, em seguida vai para o trágico quando temos certeza de que ele e a mãe Joy (Brie Larson) são reféns e que o garoto é filho de uma jovem sequestrada que já vem sofrendo abusos há sete anos.

E se já estávamos angustiados, nos imaginando dentro do quarto com eles, quando o garoto tem que se trancar dentro de um pequeno guarda-roupas, enquanto a sua “Ma” (como o pequeno Jack chama sua mãe) é mais algumas vezes abusada, nós entramos em desespero. Mesmo que saibamos que ele não tem noção do que está acontecendo, isso não diminui nosso sofrimento. E a cada interação do menino com o “pai/sequestrador” nós voltamos a ficar tensos. E o ápice deste turbilhão de angústias que passamos é quando as vítimas arquitetam sua fuga e temos quase certeza de que tudo vai sair errado.

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Dirigido por Lenny Abrahamson, conhecido por ‘Frank’ (2014), que tinha no elenco Michael Fassbender, Domhnall Gleeson e Maggie Gyllenhaal. Em seu trabalho anterior Abrahamson já nos fazia lidar com sentimentos opostos ao nos apresentar um personagem líder de uma banda, que nunca tirava uma grande “cabeça/máscara”. Nós simpatizávamos com o cantor Frank, mas no decorrer da narrativa o estranhamento nos levava a sentir pena dele. A diferença entre os dois filmes é que em ‘Frank’ tínhamos o personagem de Gleeson (Jon Burroughs), que nos guiava pela curiosa experiência. Já em ‘O Quarto de Jack’ o roteiro e os movimentos de câmera do diretor nos colocam dentro do quarto, nós somos as testemunhas diretas sem intermediário, fazendo com que nos sintamos tão presos e aflitos quanto os personagens cativos.

Dentro do quarto o ponto de vista do menino é representado sempre por planos fechados e closes dos rostos ou de objetos do ambiente, representando sua perspectiva minimalista. Os enquadramentos só são mais abertos, a medida do possível, quando estão na mãe, que apesar de trancafiada tem uma percepção maior do mundo. As cenas externas ao quarto são de ambientes maiores, a câmera vai ampliando os enquadramentos representando o que é a sensação de liberdade fora daquele cativeiro. Conforme passa o tempo e o menino vai aprendendo mais sobre o mundo, a câmera vai se afastando mais dele, refletindo o aumento de seus horizontes.

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As atuações de Brie Larson e do pequeno Jacob Tremblay são impecáveis. Larson encarna perfeitamente a mãe jovem forçada, abatida pelos anos no cativeiro e que tem na sua relação com a criança uma forma de não enlouquecer e se entregar a depressão. Tremblay é cativante, com suas reflexões de criança que não sabe que seu mundo é muito pequeno, até por que desconhece que existe um maior lá fora, quase como “O Pequeno Príncipe” em seu planetinha, pois a mãe o manteve num mundo particular por não saber se um dia eles sairiam. Seus sentimentos são como o de qualquer criança, ele fica feliz com as brincadeiras simples que tem com a mãe e se irrita quando é contrariado. Suas percepções se alteram drasticamente, quando Joy resolve lhe contar a verdade de suas condições de prisioneiros, com a intenção de que ele colabore com as suas fugas.

As metáforas visuais são muito bem utilizadas, como quando o menino consegue sair da pequena prisão e ver a imensidão do céu, que antes enxergava por uma pequena claraboia, quase como se fosse seu segundo nascimento. Seu próximo ambiente fechado depois do quartinho é um amplo e envidraçado quarto, o que contrasta totalmente com sua morada anterior. E descobrimos que a liberdade e um ambiente maior e desconhecido a ser explorado, também pode causar medo. Quando os dois interagem com outras pessoas, somos levados a refletir sobre as relações familiares e de maternidade, pois nem todos lidam facilmente com uma criança gerada num estupro.

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Apesar de a nossa sensação de tensão diminuir quando os dois saem da condição de cativos, a crise emocional não é menor. A mãe, que era apenas uma adolescente de 17 anos ao ser sequestrada, tem que lidar com um lapso de sete anos em sua vida, onde todos a sua volta seguiram a diante construindo uma vida sem ela. O menino tem que lidar com uma gama muito grande de novas experiências, que em um ambiente normal ele teria mais tempo para se ambientar durante seus 5 anos de idade, recém completados. Por sorte a mãe conseguiu manter o menino saudável com uma capacidade cognitiva imensamente melhor que a de “Kaspar Hauser”. Entretanto Joy não é poupada do julgamento moral, quando resolve encarar a mídia, que quer explorar sua experiência trágica, levando-a a se questionar sobre o tratamento que deu ao filho durante os anos no cativeiro.

‘O Quarto de Jack’ já desponta como um dos melhores dramas de 2015/2016, provavelmente é um dos mais eficazes dos últimos anos, em proporcionar sentimentos fortes em quem o assiste. Por mais insensível que um espectador possa ser, dificilmente ficará indiferente durante e ao final do filme. Certamente é uma experiência que não poupa o público de sentimentos conflitantes e contraditórios, que vão da tristeza a extrema euforia, porém assistir a obra é uma jornada inegavelmente gratificante no final. Indicado aos Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz e Melhor Roteiro Adaptado, dificilmente sairá sem ganhar algum, com grandes chances para Brie Larson, apesar de ter a difícil missão de vencer Cate Blanchett, Saoirse Ronan, Charlotte Rampling e Jennifer Lawrence.

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