SINOPSE

Filmes que exploram a culinária como inspiração para contar suas histórias costumam ser uma boa forma de construir uma narrativa de qualidade e conquistar o público, muitas vezes literalmente pelo estômago. Várias produções audiovisuais de orçamento relativamente modesto conseguiram se destacar no mundo cinematográfico por utilizar seus dotes culinários de forma competente, como o mexicano ‘Como Água Para Chocolate’ (1992) e o alemão ‘Soul Kitchen’ (2008). Entretanto, apenas imagens apetitosas que mexem com o nosso paladar não fazem por si só um longa-metragem ser excelente, pois são necessários ainda outros ingredientes para que isso se concretize.

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Em ‘Pegando Fogo’ (2015) o chefe de cozinha Adam Jones (Bradley Cooper) descobriu sua vocação para cozinhar ainda quando jovem e comprou uma passagem só de ida para a França na primeira oportunidade que teve na vida de seguir o seu sonho. Com o tempo se tornou um cozinheiro reconhecido chegando a receber duas das mais cobiçadas premiações do universo gastronômico, as estrelas concedidas por especialistas da empresa Michelin, que mantém um Guia dos melhores restaurantes de vários países, publicado desde o ano de 1900. No entanto, acabou se envolvendo com drogas, dívidas, e num relacionamento destrutivo com a filha de seu tutor e irmã do amigo Tony interpretado por Daniel Brühl. Seu comportamento acabou prejudicando muitos dos ex-colegas que trabalhavam consigo, como o francês Michel, interpretado por Omar Sy.

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O personagem interpretado por Bradley Cooper é considerado um “gênio” da alta gastronomia. Seu comportamento que almeja o perfeccionismo no preparo dos seus pratos somado a forma que se relaciona com seus cozinheiros, praticamente o identificam como um “prodígio” no sentido psiquiátrico da palavra. Ele tem muita aptidão profissional, mas pouca hablidade para relações pessoais. Geralmente este tipo de quadro clínico está associado a artistas da música clássica de orquestras sinfônicas, mas não é exagero comparar o chefe cozinheiro a uma espécie de maestro intelectualmente superdotado do seu ramo. Seus métodos ríspidos de pressionar os funcionários e de descontar a frustração quebrando pratos não é muito diferente do que o professor de música, Terence Fletcher (J. K. Simmons), fazia com seu aluno Andrew Neyman (Miles Telles) no recente ‘Whiplash – Em Busca da Perfeição’ (2014).

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‘Burnt’ é o terceiro trabalho de John Wells que antes dirigiu os dramas ‘Álbum de Família’ (2013) sobre uma reunião familiar cheia de tensão e ‘A Grande Virada’ (2010) acerca de uma crise profissional de empregados demitidos de uma grande corporação. Se em seus dois primeiros trabalhos como diretor ele apostou com êxito em um elenco amplo e qualificado, agora ele se apoia principalmente sobre o seu protagonista, que ainda que se esforce para dar conta do recado, acaba sendo prejudicado pela falta de tempo para os diálogos com os outros personagens.

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O roteiro tenta transformar o enredo em uma espécie de comédia romântica, repetindo a dupla de ‘Sniper Americano’ (2014), Bradley Cooper e Sienna Miller. Ainda que eles tenham mais tempo de tela do que no filme de Clint Eastwood e os dois atores tenham uma boa química, a forma como a narrativa é construída tem uma atmosfera estranha que atrapalha o desenvolvimento de qualquer romance. O único ator que se destaca, até por que seu personagem tem mais aparições é Daniel Brühl, que também apresenta uma “química” com Cooper, chegando a quase roubar a parte do “romance” para seu personagem Tony.

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Nos dois longas-metragens anteriores de Wells ele ressaltou a qualidade de cada ator como de Meryl Streep, Julia Roberts, Ewan McGregor em ‘August: Osage County’ e de Tommy Lee Jones, Ben Affleck, Chris Cooper em ‘The Company Men’. Ainda que Bradley seja um ator que melhora a cada atuação, ele ainda não consegue sustentar sozinho a qualidade de um filme. Neste trabalho seu personagem é muito similar a dois anteriores seus, pois muitas cenas lembram sua Inteligência acima da média de seu papel em ‘Sem Limites’ (2011) e outras a sua excentricidade psicológica no recente ‘O Lado Bom da Vida’, o que acaba dando uma sensação de que já vimos tudo o que ele apresenta neste longa de 2015. Aliás este não é o ano de Bradley Cooper, pois seus dois filmes lançados não foram bem recebidos pelo público e a crítica, tanto ‘Serena’ quanto ‘Sob o Mesmo Céu’. O primeiro nem foi distribuído nos cinemas e o segundo teve péssima recepção nos Estados Unidos.

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‘Pegando Fogo’ tem o poder de despertar uma fome voraz em quem o assiste e ser agradável, e interessante por causa disso, mas não deixa de ser um desperdício de uma boa história que se perde em meio a muito estilo e pouco conteúdo. Tecnicamente suas cenas com cortes rápidos são muito atraentes, mas acabam desvalorizando o processo de criação dos pratos, por que não nos deixam assistir, cada um deles, por um tempo suficiente a causar água na boca. Algo em que o recente ‘Chef’ teve muito êxito, mostrando os sanduíches e refeições que Jon Favreau cozinhava em seu “trailer food”. Da mesma forma os dramas do protagonista não são desenvolvidos o suficiente para torná-lo um personagem marcante, ainda que ele passe por uma transformação no final.

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No fim das contas ‘Burnt’ só sabe utilizar a gastronomia como pano de fundo, mas não se decide entre seus gêneros narrativos. Não é comédia, nem romance, nem drama, chegando a ser agressivo em alguns momentos, por utilizar um personagem principal de caráter duvidoso, que não consegue nos conquistar por seu carisma. É uma pena que não tenha alcançado o potencial de figurar na história do cinema, ao lado de excelentes “cine gourmets” como ‘Ratatouille’ (2007), ‘Estômago’ (2007) e o já citado ‘Chef’ (2014).

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Outros filmes que envolvem culinária para quem gosta do tema:

‘Como Água Para Chocolate’ (1992), de Alfonso Arau.

‘Comer, Beber, Viver’ (1994), de Ang Lee.

‘A Grande Noite’ (1996), de Stanley Tucci e Campbell Scott.

‘Soul Food’ (1997), de George Tillman Jr..

‘Sabor da Paixão’ (2000), de Fina Torres.

‘Chocolate’ (2000), de Lasse Hallström.

‘O Tempero da Vida’ (2003), de Tassos Boulmetis.

‘Sideways – Entre Umas e Outras’, de Alexander Payne.

‘A Fantástica Fábrica de Chocolate’ (2005), de Tim Burton.

‘As Férias da Minha Vida’ (2006), de Wayne Wang.

‘Sem Reservas’ (2007), de Scott Hicks.

‘Ratatouille’ (2007), de Brad Bird.

‘Estômago’ (2007), de Marcos Jorge.

‘Dieta Mediterrânea (2008), Joaquin Oristrell.

‘À Moda da Casa’ (2008), de Tassos Boulmetis.

‘Julie & Julia’ (2009), de Nora Ephron.

‘Soul Kitchen’ (2009), de Fatih Akin.

‘Os Sabores do Palácio’ (2012), de Christian Vincent.

‘Chef’ (2014), Jon Favreau.

‘A 100 Passos de Um Sonho’ (2014), Lasse Hallström.

Trailer do Filme:

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